Inocência e consumismo
Revista Diálogo – Filhos & Filhas: Dicas de segurança, saúde e comportamento para os pais – 
Mar/Abr 2006


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FAC-SÍMILE

Um dos temas mais inquietantes da atualidade é o exagero com que as crianças têm sido assediadas para comprar e consumir além do necessário
Flávio Paiva (*)
Secretário-Executivo de Comunicação

Não tem sido brincadeira para as famílias segurarem a meninada na hora do insistente choro por brinquedos, vestuário,acessórios escolares e um sem-número de itens com estampas que variam dos Cavaleiros do Zodíaco à Hello Kitty. Meninos e meninas que insistem em ir sempre para as mesmas lanchonetes e lojas, onde podem adquirir brindes de bonecos de personagens e ídolos dos programas de televisão.

Nos cinemas é praticamente impossível proteger as crianças dos trailers de filmes de adultos, com violência, terror e sexo, antecipando as sessões infantis. Como se não bastassem os pacotes de pipoca várias vezes maiores do que a quantidade necessária, instigando as crianças a comerem mais do que desejam.

Dentro de automóveis, ônibus, metrôs ou andando nas ruas, nos centros comerciais, as crianças são bombardeadas intensamente com propagandas inadequadas à sua capacidade de discernimento do padrão adulto. Em casa, na maioria das vezes, vêem televisão sozinhas ou sem o acompanhamento de um adulto preparado para comentar e orientar o conteúdo exibido na telinha. As que possuem computador e videogames, então, seguem solitárias por horas e horas, invariavelmente matando com entusiasmo inimigos eletivos.

Susan Linn, professora de psiquiatria da Escola Médica de Harvard e autora do livro “Criança do Consumo – A Infância Roubada”, lançado no Brasil por ocasião do 1º Fórum Internacional Criança & Consumo, realizado pelo Instituto Alana, no Sesc da Avenida Paulista, no final de março, com apoio do Sesc-SP e do Itaú Cultural, revela em seu estudo que o consumismo afeta valores essenciais nas nossas escolhas de vida, tais como a maneira como medimos o nosso próprio valor e como definimos o sentido de felicidade.

As ações de indução de compra dirigidas à infância procuram sempre atingir pontos mais vulneráveis: maus hábitos alimentares, suscetibilidade às mensagens violentas e fastio criativo. “Os pais têm motivos para se alarmarem. As pessoas que valorizam bens materiais em demasia estão mais propensas a ser infelizes e ter uma qualidade de vida mais baixa do que aquelas que valorizam mais recompensas interiores e não materiais, como criatividade, competência e contribuição à sociedade”, esclarece Susan.

A sedimentação acelerada de valores consumistas, substituindo os valores da criança como pessoa e ser social, atinge-lhe a credulidade, causando graves problemas de saúde física e psicológica, educação e cultura, espiritualidade e integridade humana, além de tirar-lhe o direito de crescer testando hipóteses sem a interferência de tantas incitações publicitárias.

Este é um problema internacional. Muitos países criaram regulamenta ções para inibir a força do consumismo. Itália, Suécia, Noruega e Dinamarca proibiram a publicidade de produtos e serviços durante programas infantis. Na Suécia foi feito um plebiscito, com 88% de votos favoráveis à proibição. Partiram do princípio de que uma criança em sua fase de desenvolvimento completo não distingue o que é um programa e o que é um comercial. Merchandising, que é a publicidade introduzida dentro dos programas, nem pensar.

No Canadá a publicidade não pode tentar seduzir as crianças com personagens de animação nem com ídolos da televisão. Os canadenses também acabaram com a sugestão de compra por telefone, correio eletrônico e qualquer publicidade que possa agir no inconsciente da criança. A Austrália proíbe prêmios e brindes que desviam a atenção sobre a essência dos produtos destinados à infância. A Inglaterra não permite o uso de efeitos especiais para insinuar que o produto faz mais do que pode fazer. Caso um produto não funcione sozinho o comercial precisa deixar isso claro.

Existem várias medidas proibindo o uso de publicidade que provoca preconceito e complexo de superioridade ou de inferioridade, resultante do fato de ter ou não um determinado brinquedo. Insinuações que levem ao entendimento de que uma pessoa que dá presente é mais generosa do que quem não pode ou não costuma dar são inconcebíveis. O estímulo à sensação de que a criança pode ser a compradora ou que deve provocar os pais para que comprem também é ilegal em alguns países. A publicidade de produtos e serviços infantis somente é permitida em muitos lugares se for dirigida aos pais.

O que tem sido feito no Brasil
Na última década intensificaram-se no Brasil ações de cidadania com o intuito de frear os ditames da mídia abusiva. Abaixo, algumas dessas movimentações:

1º Fórum Internacional Criança & Consumo  www.criancaeconsumo.com.br
O consumismo na infância tem despertado uma crescente preocupação por parte de pais,
educadores e outros profissionais mais ligados ao desenvolvimento infantil. A incidência alarmante de obesidade infantil, a violência na juventude, a sexualidade precoce e irresponsável, o materialismo excessivo e o desgaste das relações familiares são algumas das conseqüências da mercantiliza ção da infância. É para divulgar e debater idéias sobre essas questões, além de apontar meios de minimizar ou prevenir os prejuízos para o desenvolvimento das crianças, que o Instituto Alana criou em 2005 o Projeto Criança e Consumo.

VER TV – www.vertv.radiobras.gov.br
Criado em 2006, o programa tem por objetivo discutir a função social da TV brasileira, os avanços tecnológicos e as questões éticas relativas à programação. O VER TV, um programa para quem gosta de televisão, é apresentado pelo jornalista e sociólogo Lalo Leal, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e transmitido toda quinta-feira, às 22:30, pela TV Câmara e nos canais a cabo da NBR.

MIDIATIVA – www.midiativa.org.br
Criado em 2002, o Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes – Midiativa, é formado por um grupo multiprofissional com o intuito de promover o pensamento crítico sobre a mídia e contribuir para a melhoria da qualidade da programação televisiva e demais mídias eletrônicas destinadas a crianças e adolescentes.

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – www.fndc.org.br
Criado em 1991 como movimento social e transformado em entidade em 1995, o Fórum congrega
entidades da sociedade civil para enfrentar os problemas da área das comunicações no País.

Desligue a TV – www.desligueatv.org.br
A importância da televisão é um fato na nossa sociedade. Na maioria das vezes ela é a única fonte de informação e entretenimento. A proposta do Desligue a TV (2005) não é bani-la dos lares brasileiros, mas sim discutir sua utilização.

Ética na TV – www.eticanatv.org.br
Dentro dessa ação, iniciada em 2002, destaca-se a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, desenvolvida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e organizações da sociedade civil para promoção dos direitos humanos e da dignidade do cidadão na mídia.

ONG TVer – www.tver.com.br
Grupo de trabalho criado em 1997 com o objetivo de gerar reflexões sobre a responsabilidade social e pública da televisão no Brasil. É formado por psicólogos, jornalistas e professores, dentre outros profissionais, que tem por fim lutar por uma ética na TV. Age contra a banalização do sexo, do erotismo e da violência na televisão brasileira, que acontece explicitamente em novelas, programas de auditório e intervalos comerciais.

(*) Flávio Paiva participou do 1º Fórum Internacional Criança & Consumo, a convite da organização do evento.

http://www.criancaeconsumo.org.br/Revista%20Dialogo_MarAbr2006.pdf