Os limites populacionais da Terra, as discrepâncias entre o consumismo e a fome, o aumento dos fluxos migratórios forçados, a intensificação das calamidades climáticas e a progressão acelerada dos inchaços urbanos requerem providências urgentíssimas no âmbito da justiça espacial. Na busca por esse fim, a contribuição da geografia social é cada vez mais importante, e, entre os pesquisadores que têm agregado reflexões basilares sobre como contornar essas imprecisões que arruínam o planeta, está o geógrafo francês Bernard Bret.

A leitura de territórios feita ampla e consistentemente por Bret em seu livro “Pour une géographie du juste” (2016) tem como âncora a Teoria da Justiça (1971), do filósofo norte-americano John Rawls (1921 – 2002), que se contrapõe à forma comumente utilizada no tratamento de situações conflitivas. Em vez de partir do fato, ele propõe que inicialmente seja feita a ideação do espaço para, depois, ver os encaixes na realidade, qualificando a sua organização e fazendo intervenções que melhorem o funcionamento da vida individual e coletiva.

Tomando a justiça pelo valor de existência, e não por igualitarismos, não se perde a racionalidade do debate nem se deixa que as discussões sejam dominadas por emoções. Para chegar às questões sociais, Bernard Bret oferece com essa obra a chave do portão de entrada pelo território, refinando a teoria rawlsiana com a agregação da socialização do cuidado (não confundir com paternalismo) como dimensão de vínculos afetivos na abordagem socioespacial da justiça.

Entrando pelo território é possível ter-se mais clareza na hora de priorizar a melhoria das condições das pessoas mais desfavorecidas na escala social. O critério de decisão apresentado pelo autor para a aplicação da justiça distributiva, da igualdade de direitos e da reparação de sequelas históricas é o princípio do “maximin”, do matemático romeno-húngaro Abraham Wald (1902 – 1950), que compara alternativas pelo que há de pior em cada uma delas, para, assim, fazer escolhas que maximizem a posição de quem se encontra em situação mais grave.

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Muitas desigualdades resultam ou são perpetuadas em decorrência dos lugares de desvantagens na segregação espacial. Nas cidades em que a apartação é acentuada, os moradores já não se sentem mais pertencentes a um sistema socioespacial estruturado, o que Bret chama de erosão do senso coletivo. O modelo centro-periferia, aplicado nas relações entre Estados, regiões, conurbações, zonas urbanas e rurais, núcleos centrais das cidades, seus subúrbios e favelas, avizinha distância espacial e distância social em gradientes de diferenciação e desigualdade.

O acesso aos bens públicos, enquanto dádivas a serem consumidas por todas as pessoas (ar, água, luz do sol), não deveria variar conforme as realidades locais. O autor trabalha com a desvinculação dos fatores naturais (saúde e talentos recebidos ao nascer) e sociais (condições de nascimento, riqueza, direitos, competências) que geram desigualdades, mas os une na obrigação da sociedade de que toda pessoa tenha acesso à sua parte justa na distribuição das comodidades dos territórios onde vivem.

O ensaio de Bernard Bret salienta que todo lugar pode ser um lugar de satisfação do viver, pois não são as características geográficas que determinam essa possibilidade, mas o modo de ocupação de cada território e a forma como se dá a competição pelo controle dos seus recursos naturais e pelo usufruto das riquezas existentes e produzidas. Realça, por fim, que a justiça espacial deve considerar que o apego a um lugar, mais do que econômico, é cultural e emocional.

Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/06/12/justica-espacial-por-bernard-bret.html