Juventude e Geração Young
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Quinta-feira, 24 de Setembro de 2009 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A juventude não é um conceito que se refere à essência do pensamento humano, mas antes de tudo à capacidade coletiva abstrata de se enxergar em vitalidade e de refletir sobre uma fase etária padronizada como de transição entre a infância e o mundo adulto. Um mundo com a adolescência não escapa dos riscos e das injustiças dos estereótipos. Temos, portanto, um problema cultural de grande complexidade a encarar, um problema de reconhecimento.

Os avanços tecnológicos, as novas mídias, oferecem aos jovens espaços preciosos para o exercício da liberdade de expressão. O que não oferecem, e isso não é uma cobrança é uma constatação, são as condições de clareza para a sua aplicação. A questão de fundo diz respeito a conteúdo, considerando que a juventude atual tem sido cruelmente bombardeada por referências artísticas fúteis e por perspectivas sociais e ambientais obscuras, o que lhe dificulta uma afirmação até mesmo como tendência.

Aspirantes de uma escalada que tem no consumo uma necessidade social imperativa, os jovens enfrentam o grande dilema da afirmação pela exibição pública da posse de objetos e do uso de símbolos que agregam indução de desejos insaciáveis, determinada pelo mercado, ou pelo enfrentamento a esse estilo de vida corrosivo, que os levam a ambições e pretensões que não passam de miragens. Para romper essa tensão entre consumismo e liberdade, a juventude precisaria abrir mão dos valores que negam, mas aos quais recorrem para manifestar insatisfação.

Nos planos de marketing, os nascidos entre 1981 e 1994, que estão entre os 15 e os 28 anos, são classificados como consumidores da Geração Young ou simplesmente Geração Y. São jovens que para se comunicar vão além da internet, jovens que usam frequentemente o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) para reclamar, mesmo enfrentando todos os protocolos que fazer essa comunicação requer. Em uma pesquisa sobre influências, preferências e atitudes da GY, publicada na revista Consumidor Moderno (São Paulo, ago/2009) li essa desconcetante revelação: “Não há nada como ser ouvido”. Mesmo que seja ouvido como consumidor, diga-se de passagem.

Na visão de um especialista de mercado, publicada na mesma revista, os jovens da Geração Y são enigmáticos e gostam de se divertir fazendo compras e tendo a satisfação imediata do consumo. Pensam na satisfação momentânea que o produto oferece e até a satisfação é descartável. São mais inquietos e questionadores do que realmente rebeldes. Perderam a profundidade dos hábitos e se tornaram mais voláteis. É uma geração que não tem tempo para a profundidade. O perfil da geração que está dominando o mercado consumidor oscila entre o hábito de se achar poderoso e a eterna insatisfação.

Dos olhares sobre a problemática da juventude na atualidade, um dos mais bem centrados e consistentes na calibragem entre o rigor acadêmico e o respeito às subjetividades investigadas, está no livro “Jovens na cena metropolitana – percepções, narrativas e modos de comunicação” (Sílvia Borelli, Rose Rocha e Rita de Cássia Oliveira, Ed. Paulinas, São Paulo, 2009). Nele, a reinvenção urbana pela juventude transita pelas novas ordens de sensibilidades entre as diferentes linguagens e dinâmicas comunicacionais praticadas pelos jovens e as formatações dos padrões adultocêntricos.

Além dos tradicionais recursos de depoimentos orais, as autoras recorreram à antropologia visual para registro de imagens e vozes e para a análise imagética dos locais observados, do perfil dos frequentadores e dos objetos e símbolos por eles utilizados. Assim, puderam estabelecer um bom diálogo com os jovens na interpretação de si e dos outros e na forma como vêm sendo representados. Ao investigarem sobre como os jovens se percebem, como fazem a narrativa do cotidiano e de que forma interagem, Borelli, Rocha e Oliveira fazem uma acurada súmula das experiências possíveis da juventude urbana ou influenciada por ela.

A constatação de que a cultura midiática é estruturante de narrativas, concepções e percepções da juventude contemporânea, ganha revelações provocativas com a afirmação de que “a configuração do jovem como categoria social relevante ocorre devido, entre outros fatores, à frequência e peculiaridade de sua forma de aparecimento nos cenários urbanos e midiáticos”. Para tentar me situar no emaranhado de conceitos que isso significa, procuro separar juventude de Geração Young, a partir da compreensão de que nem juventude se resume a “fitness” e nem “young” quer dizer jovem. Para mim, juventude é um estado de elevação espiritual fazedora e Geração Y, apenas uma descrição dos jovens escravizados pelo consumismo.

Na pesquisa que virou o livro “Jovens na cena metropolitana” a problematização se dá pela situação paradoxal derivada da “legitimização do discurso juvenil, ancorada na valorização extrínseca da lógica cultural da juvenilização” em contraste com “a penetração da lógica criminal na constituição das redes de socialização juvenil”. De um lado, o incensado e amplo padrão de juventude do fitness, que idealiza o poder do jovem, e do outro, a reafirmação de periculosidade que viceja da inquietação própria do adolescer, espalhada como flor de seda para a formação do senso comum.

A investigação, realizada em zonas de contrastes sócio-econômicos de São Paulo, com jovens de 15 a 24 anos, toma como referência um trabalho desenvolvido com coletivos juvenis colombianos, colocando-se, deste modo, como nodo da teia latino-americana de estudos da comunicação e das ciências sociais, que trabalham com a cidade enquanto lugar de encontros possíveis e com os jovens, por meio dos saberes característicos das suas intervenções culturais extrainstitucionais. E o desafio dessa questão está explicitado com nitidez e precisão no dizer de um dos entrevistados: “Eu só conheço a cidade quando me perco”.

A sociedade do consumismo criou blocos de conexões em massa e passou a chamar de comunidade os recursos virtuais de mobilidade, portabilidade e simultaneidade. “A concepção de juventude a partir de seus aspectos gerais e particulares, pressuposto conceitual da investigação, encontrou no consumo cultural sua concretude”, dizem as autoras. Agrada-me vê-las pensar a cultura juvenil na condição de produto e produtora. Há uma chave nessa cultura que faz da urbanidade a mais legítima manifestação das suas diferenças e conflitos. Por esse viés as autoras enxergam que “comunicando-se os jovens fazem sociedade”, falando de si, das suas realidades e expectativas em construções discursivas que facilitam a tribalização e a privatização esporádica de espaços públicos.

Em artigo intitulado “Assim caminha a juventude…” (FSP, 31/12/2008), a escritora Lia Zatz critica o discurso enfadonho dos que vivem comparando o que seria uma falta de ideais dos jovens de hoje, com as lutas estudantis de décadas atrás. “Não param para refletir que sempre foi uma minoria dentro da juventude a alavancadora de novas ideias, de mudanças e de revoluções”. O que interessa hoje, segundo Lia, é entender as dificuldades encontradas pelos jovens que tendem a ser contestadores em uma época de liberdades. Quer dizer, os jovens contestadores da atualidade estão exilados nos conceitos de juventude e de Geração Young e a qualquer momento podem romper a condição de grandes consumidores cativos e ao mesmo tempo de grandes doadores de conteúdos para o mercado midiático.