Um convênio entre a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Fundação Casa Grande está sendo preparado para a emissão de títulos honoríficos a mestras e mestres dos Museus Orgânicos fomentados pela entidade do Cariri em parceria com o Sesc-Ceará, o que proporcionará o desenvolvimento de enlaces acadêmicos com os saberes populares nos campos de estudos das ciências humanas.

Com essa iniciativa, mais um passo notável será dado à potencialização das mestras e dos mestres da cultura em território cearense, haja vista que há duas décadas a Universidade Estadual do Ceará (Uece) concede títulos de Notório Saber em Cultura Popular a pessoas, grupos e coletividades detentoras de saberes e técnicas de preservação da identidade tradicional, sob moderação da Secretaria Estadual de Cultura (Secult).

O avanço suplementar em curso terá alcance além do sentido de preservação e de transmissão, preponderantemente voltado a manifestações artísticas, definido na Lei Estadual nº 13.842/2006, que institucionalizou o registro dos “Tesouros Vivos da Cultura”. Partindo da proposição de uma entidade da sociedade civil, com larga e renomada experiência nos campos da educação, da cultura e da cidadania, a extensão do projeto Museus Orgânicos torna-se mais abrangente.

As vertentes culturais presentes nessa teia museológica in natura assumem o caráter de sustentação da ideia e da prática de robustecimento de nodos culturais para o desenvolvimento perene. As considerações à boa fortuna imaginária, de costumes, virtudes e artes dessas mestras e mestres, não como meras interpretações de repetições reflexas do que ainda não passou, mas como fragmentos vitais das estruturas sociais e econômicas, enriquecem a contribuição acadêmica na sociedade.

Raimunda Ana da Silva, 68, a mestra Dona Dinha / Divulgação.

Esse projeto parte de um marco zero significativo, que é a Chapada do Araripe, entroncamento ecológico e cultural que conecta Ceará, Piauí e Pernambuco e que está prestes a ser indicado como candidato brasileiro a Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Os Museus Orgânicos são relicários da geografia humana dotados de valores simbólicos e de materialidade, integrados ao cotidiano local e abertos à prosa das descobertas e autodescobertas do turismo de conteúdo.

Pesquisadores e estudiosos podem encontrar nesses museus não processados pela indústria cultural de massa elementos de grande valor para diversas linhas de pesquisa. Só em uma passagem no Museu do Couro do Espedito Seleiro e na Casa do Mestre Nena, o visitante depara com a estética do vaqueiro e do cangaço, muito além de alpercatas e bacamartes. A trama da cultura do algodão estende-se na Oficina da Dona Dinha e sua arte de fazer redes de dormir.

O reisado de caretas da Casa do Mestre Antônio Luiz conta da crença natalina que chegou nas caravelas e ganhou o mundo rural em roupas coloridas e danças de fé brincante. Tem espiritualidade, como na Casa da Mestra Zulene Galdino e suas rezas de cura, mas tem também o calor táctil do esculpir das máscaras, como da modelagem das panelas de barro na Oficina de Corrinha Mão na Massa, e o fazer de pifes e zabumbas na Casa do Mestre Raimundo Aniceto.

Estudos de ornitologia, botânica e infância casam bem com a paixão de voar com zinco e flandre na Oficina de Françuli, de braços abertos no Museu Dim Brinquedim e na observação e fotografia de aves da Casa dos Pássaros do Sertão, sem contar com o tempo histórico fixado em imagens na Casa de Telma Saraiva. Esses sinais de variantes do que somos têm sabores na Casa do Doce de João Martins e na Casa dos Licores de Teresa Mapurunga, brilho nas joias da Oficina de Antônio Rabelo e fabulação solta no Museu Beco do Cotovelo. Como se pode perceber, as mestras e os mestres não são ermitãs e ermitões à margem da sociedade, mas, sim, artesãs e artesão da consciência social.

 

Fonte
Jornal O POVO