As pessoas começavam a chegar na Praça da Independência, em Maputo, capital moçambicana, sábado passado (18), para uma marcha em tributo ao músico e ativista político Azagaia, quando foram dispersadas por blindados e gás lacrimogênio. Umas vestiam preto, como expressão de luto, e outras usavam branco como mensagem de paz.

Mano Azagaia – Edson da Luz (1984 – 2023) – fez a viagem de volta no início do mês (9), acometido por um ataque de epilepsia em Namaacha, a cidade onde nasceu. Com suas rimas e ritmos ele vinha há duas décadas despertando, sobretudo a juventude urbana, para os problemas sociais de Moçambique, com duras críticas aos governantes e às minorias luxuriantes que mantêm sob controle as mazelas do país.

A jovem república do sudeste africano (emancipada de Portugal em 1975) passa por tempos muito difíceis, cheios de conflitos sociais e desastres naturais que se estendem desde a ação de grupos extremistas armados e deslocamentos de populações vítimas de violência até o ‘branqueamento de capitais’, inflação com dois dígitos, surtos de cólera e outros efeitos do Ciclone Freddy.

Nesse contexto de desarranjo generalizado, Azagaia – nome artístico que quer dizer ‘lança de cabo curto’ –atuava com a sua “música de intervenção rápida” para denunciar a resposta violenta dada pelo poder a um povo que pede comida. E, armado “por milhares de kilowatts”, alertava ao conselho de ministros se haveria polícia suficiente para conter uma revolta geral.

Entrevistado pela revista “O Menelick 2° Ato”, publicação voltada para reflexões sobre a diáspora negra, Azagaia declara que “em Moçambique boa parte das figuras que estão no poder fazem parte da história da libertação do país (…) um partido de velhas glórias”, o que leva os jovens a buscar “outras alternativas de votos”, posição que o levava a ser simpatizante da renovação política.

Além de tratar de problemas locais e atemporais com uma visão ampla, ele era mestre em expor o que chamava de “mentiras da verdade”, com as quais fazia inquietantes provocações: “E se eu te dissesse / Que Samora foi assassinado / Por gente do governo / Que até hoje finge / Procurar o culpado?”. Temas como esse da polêmica morte do ex-presidente Samora Machel (1933 – 1986), líder revolucionário das guerras da Independência moçambicana, permeiam os versos de Azagaia.

Velório do rapper Azagaia no Conselho Municipal de Maputo. Foto: Renato Cau / Jornal Evidências.

A vida econômica desigual também está na sua poética: “E se eu te dissesse / Que Moçambique / Não é tão pobre como parece”. Com isso, Azagaia chamava o povo para a marcha: “É tanto luxo, no meio do desemprego e do lixo (…) Por que é que num país tão pobre os dirigentes são tão ricos? (…) Vamos mudar a nossa estratégia de luta / Se os ricos roubam os pobres vamos combater a riqueza absoluta (…) E se há salário mínimo que haja salário máximo”. E o mantra é: “Se te cansaste de pedir favores / Então venha para marcha”.

E a marcha da gente moçambicana, na voz cantor, tem uma bandeira, e a bandeira é “Povo no Poder”, com argumentos que toda a população compreende muito bem: “Mais da metade do meu salário vai para impostos e transporte / Se o meu filho adoece fica entregue à sua sorte”. Azagaia proclama palavras de ordem: “Corruptos, fora! Assassinos, fora! Gritem comigo pra essa gente ir embora”.

Azagaia alcançou muito sucesso com o ousado enfrentamento dos poderosos feito com música. Ficou conhecido como “rapper do povo”. Ele desafiava as pessoas a serem honestas com a própria condição e no que essa condição tem em comum com as demais: “Não tu que sobes pisando nos que sofrem como tu”; e tentava convencer os que se aproximavam: “Agora que estamos juntos, vou vos contar um segredo / Eles não podem conosco”. É o estado de Azagaia!

Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/03/21/mocambique-em-estado-de-azagaia.html