Há um bom tempo que eu tenho vontade de escrever a história do Nah skah-koo. Quem me contou o que ocorreu naquela noite de um ano qualquer da década de 1910, em que uma companhia de ópera russa se apresentou no Theatro José de Alencar, foi o sempre querido Raimundo Arrais (1943 – 2016).

Arrais, que era cantor de clássicos populares da música brasileira e internacional, narrava tudo com espírito brincalhão e entonação musical a caráter. Quando cantava o trecho Nah skah-koo, valia-se de recursos fonéticos por desconhecer a forma correta da pronúncia.

E foi exatamente por conta dessa percepção oral desviada de parte do público que esteve no teatro na ocasião que nasceu essa história associada ao espírito cômico da cearensidade; uma história que eu sempre quis escrever, mas não sabia como grafar as palavras.

Inquieto com essa limitação, conversei com minha prima Deborah, que é casada com o russo Oleg, e eles me ajudaram a transformar os fonemas em texto. Com a expressão correta em mãos, finalmente senti-me à vontade para passar para frente esse engraçado episódio da cultura cearense.

O Theatro José de Alencar foi construído com recursos da próspera economia do algodão. É uma casa de espetáculos linda, com arquitetura que mistura linhas neoclássicas com art nouveau, alvenaria com estrutura metálica, vitrais coloridos e pinturas artísticas com referências à arte teatral.

Peças de grandes autores nacionais e estrangeiros eram apresentadas para uma plateia muito bem vestida e muito bem-comportada. A formalidade era total. Até que um dia o espírito gracejador do cearense acabou com a seriedade rígida que dava ao público um ar cult, intelectual e bem-educado.

Foi durante a apresentação de uma ópera russa, quando o vozeirão do tenor cantou “Nah skah-koo”, que simplesmente quer dizer “a todo galope”. Como ninguém ali entendia bulhufas do que estava sendo dito, as pessoas se prenderam aos sons das palavras; e ouviram “laska ku!”. Imediatamente um gaiato gritou na plateia:

– Lasca o quê?!

Não teve compostura que suportasse o ímpeto jocoso do público, e todo mundo começou a rir descontroladamente. Antes do comedimento exigido para a presença em um lugar, então reservado a um seleto grupo de privilegiados, aquelas pessoas eram cearenses, não tinham como se controlar diante de um ato de molecagem.

Sem entender o que estava se passando, os atores pararam o espetáculo e retornaram para o camarim. Levou um bom tempo para que o público contivesse o surto de contágio humorístico, e para que alguém conseguisse explicar aos artistas russos que não era nada contra eles. As cortinas voltaram a ser abertas e a noite passou a ter dois dramas simultâneos: o artístico, que se apresentava no palco, e o social, decorrente de uma plateia que precisou manter a sobriedade ao ouvir Nah skah-koo novamente.