O empreendedor cultural
Artigo publicado no Jornal O Povo, Caderno Vida & Arte, página 6

Terça-feira, 14 de Novembro de 2000 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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Vicejam com abundância os discursos de fomentação da cultura como meio de sustentação da sociedade para o desenvolvimento. Os planos dos nossos governos têm sempre um bom argumento em favor dessa valorização, embora, na realidade, muito pouco se faça para honrar o sentido das palavras utilizadas nesses documentos. Investimentos privados com essa crença praticamente inexistem. Está tudo entregue aos esquemas da indústria cultural de fora e aos produtores satélites que reproduzem localmente o que é imposto como cultura no País. Salvam-se as iniciativas amadoras que pelejam, pelejam e quase nunca conseguem ultrapassar os círculos dos pequenos grupos de afinidade.

Tirar a cultura local da indiferença não é, portanto, uma tarefa fácil. Até chegarmos ao grau de consciência exigido para essa transformação faz-se necessário que trilhemos alguns estágios de aprendizado no setor. Como ainda não paramos para discutir coletivamente, de forma ampla e organizada, o que queremos enquanto sociedade, vivemos de surtos pontuais conservadores. Enquanto não nos dispomos a sistematizar essa visão, o jeito é ir dando os passos possíveis. É neste aspecto que precisamos implementar no Ceará projetos como o Programa de Empreendedores Culturais que o Sebrae vem desenvolvendo com sucesso, em parceria com os órgãos de cultura do Rio de Janeiro, da Bahia e mais recentemente em Alagoas, Maranhão, Sergipe, Rondônia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Goiás e São Paulo.

O certo é que alguém precisa facilitar o surgimento de negócios centrados na bagagem cultural cearense, em contraposição às ações hegemônicas e verticais que chegam de fora e nos são impostas freqüentemente. Caso o Sebrae/CE consiga um parceiro local para lançar esse programa, teremos então a chance de preparar pessoas que acreditam no mercado de produtos e serviços culturais e, assim, começarmos a sair do amadorismo e do improviso. Somente estimulando, capacitando e multiplicando empreendedores culturais poderemos ampliar a visibilidade dos nossos valores e talentos reais, reduzindo a sensação de pobreza cultural que a falta de acesso e de oportunidade causa friamente. Romper com essa confusão entre o que existe de valor e o que consegue aparecer é fundamental para uma sociedade que precisa da energia dos seus bens culturais renováveis como condição para o desenvolvimento de longo prazo.

O ideal é encontrar caminhos de coexistência entre os que podem fortalecer os negócios da cultura e os que devem cuidar das experimentações e do patrimônio material e imaterial que não tem valor de mercado. Se as leis de cultura fossem concebidas por uma necessidade estratégica nossa e não por determinação dos pacotes de medidas externas redutoras do papel do Estado, tudo seria mais simples. Na verdade, não temos como esperar que a mera formação de empreendedores culturais crie por si uma consciência dessa dimensão, mas só em aumentar a efervescência e a movimentação em torno do saber e da produção local, estaremos possibilitando a descentralização e o rompimento das amarras dos guetos e suas manipulações indecentes.

Os empreendedores culturais atuam exatamente no ponto de equilíbrio entre a sociedade, o estado e o mercado, territorializando a cultura sem, no entanto, torná-la isolada do mundo. A troca de informações, apoios e o desenvolvimento de parcerias resultam em conhecimento comparado. A experiência do Sebrae com o PEC já deu origem a uma Rede de Agentes Culturais, integrada pelos participantes dos cursos, fóruns e seminários realizados pelo programa. É muito bom tudo isso. As pessoas acendem o pavio de um mercado que é considerado oficialmente o sexto maior gerador de postos de trabalho no Brasil. Na discussão de gestão da cultura esses cursos incluem conceitos gerais de cultura e mercado, identidade cultural, as interfaces da cultura, tendências do mercado, ciclo básico de produção cultural, oportunidades de negócios, formação de platéia, marketing cultural, a engenharia de projetos, captação de recursos e técnicas de negociação.

Os dividendos das ações culturais integradas extrapolam a questão de oportunidade de trabalho e renda. Mais do que alavancas propulsoras da economia, as movimentações culturais planejadas favorecem o desabrochar da auto-estima e evitam as posturas degradantes da submissão produzida pelos simulacros da sociedade de consumo. Quando digo que a formação de empreendedores culturais é um estágio importante para galgarmos na escala do desenvolvimento, baseio-me na idéia de que é preciso investir antes para poder haver um ganho depois. Posto em prática, esse pequeno detalhe tenderá a alterar significativamente a mentalidade vigente na relação entre artistas, produtores, agências de desenvolvimento e órgãos de cultura, ação social e turismo.