O fórum plural do Ceará 2027
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Quinta-feira, 05 de Julho de 2007 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

Uma sociedade é antes de tudo o que ela idealiza. O exercício de imaginar-se em um feixe de possibilidades vinculadas a um propósito comum cria condições para o alcance continuado de novos horizontes. Foi assim que, para pensar e, desde já, começar a construir o Ceará do ano 2027, como um lugar de equidade e paz, o governador Cid Gomes convidou um variado grupo de 350 pessoas, da capital e do interior, para participar do Fórum Ceará – Idéias para um futuro melhor, realizado em Beberibe no fim de semana passado. Ele próprio destituiu-se simbolicamente do cargo para, como cidadão, se fazer presente nos grupos de trabalho, em uma clara e prática demonstração de crença na democracia participativa.

Acessível e ponderado, o governador quis deixar claro que é parte da solução e que efetivamente está disposto a trabalhar para melhorar a realidade social cearense. Ao patrocinar o Fórum Ceará, Cid Gomes instigou a integração de divergentes e deu freqüência a dispersas vibrações democráticas. O foco nos pontos de interseção e de convergência do interesse comum, sem perda de tempo com particularismos desviantes, produziu um momento de amplo concerto coletivo. Essa norma de conduta foi posta logo no início, quando a coordenação do evento sugeriu aos participantes que ao invés de “discutir” exercitassem o diálogo e o consenso no encaminhamento das propostas dos grupos.

A exemplo de outras ações de estímulo à participação promovidas pelo governo, tais como as audiências itinerantes e a Constituinte Cultural, o Fórum Ceará é um espaço de elaboração de agenda mínima, não apenas para as ações do Estado, mas do mercado e da sociedade civil. Inspirado no respeito à igualdade de direitos e de oportunidades, na busca de redução das distâncias sociais, na criação de um acordo comum pela não-violência e no compartilhamento de bens materiais e simbólicos, o fórum revela o afinamento da gestão estadual com os avanços da consciência crítica e da expectativa de participação da sociedade na construção do desenvolvimento.

Um governo democrático, comandado por um executivo que ouve, é vital para a prática da inovação em todos os níveis das esferas pública e privada. A chance da administração pública de ser mais eficiente é muito maior quando o governante conta com uma sociedade civil ativa e capaz de adotar parâmetros de equidade e paz, mesmo em situações desfavoráveis. Em princípio, todos os sinais emitidos no âmbito do Fórum Ceará são positivos, mas não se bastam. É importante acompanhar o que será feito com o apanhado de idéias fermentadas por ocasião do evento. O governador Cid Gomes se comprometeu a recorrer a essas idéias na sua gestão e a patrocinar anualmente uma avaliação dos temas abordados, para acompanhamento e análise de resultados.

Cid Gomes é um dos principais nomes do novo ciclo político que se inicia no Ceará, após a exaustão do modelo neoliberal autoritário e concentrador que dominou o Estado nas duas últimas décadas. A participação da sociedade tornou-se um valor inquestionável nos dias atuais e a realização de encontros como o Fórum Ceará move-se no sentido de acompanhar essa tendência participativa. O chamamento do governador para esse encontro de espírito colaborativo não exigiu qualquer alinhamento político e isso foi muito importante para o arejamento necessário à produção de idéias enriquecedoras.

Pena que foi utilizada uma metodologia desgastada e contraproducente; uma metodologia que já serviu muito bem em outras circunstâncias de esforços compartilhados, como a Conferência de Busca do Futuro Ceará 2020, realizada também em Beberibe, há uma década, ainda na fase disruptiva e catalítica do Pacto de Cooperação. O mundo já não é mais o mesmo e o Ceará constrói uma nova perspectiva política, portanto, essa limitante do método de abordagem de “idéias para um futuro melhor”, utilizado no Fórum Ceará, não respondeu às expectativas atuais e deixou de capturar muito do potencial daquele grupo expressivo e variado.

Como se não bastasse a fleuma metodológica, inventaram de apresentar longa e cansativamente um “case” do Porto Digital, de Recife, que não estava na programação. Talvez até tivesse sido interessante se fosse uma exposição rápida, considerando que se trata de um parque para negócios de tecnologia da informação, setor em franca expansão no mercado mundial e que interessa à inclinação cearense para a indústria do software. Utilizando-se de uma lousa digital, de projeção de textos em inglês e de velhos conceitos como “o futuro está no futuro”, Sílvio Meira, um dos idealizadores do projeto, num rompante de determinismo de mercado, chegou a sugerir que um bom plano para participar do mundo achatado é aprender a se deixar explorar como muita gente está fazendo na Índia.

Os grandes temas mundiais da atualidade, tais como o aquecimento global, o multiculturalismo, os deslocamentos de eixos econômicos, a saudabilidade, longevidade, juventude e tantos outros, estão suscitando oportunidades que se estendem do local ao internacional. Não existe só uma, ou duas, ou três saídas. A revolução inovadora que o Ceará pode desenvolver, contando com a fermentação participativa da sociedade, precisa de equilíbrio entre os grandes empreendimentos, geralmente automatizados, e programas de produção que requeiram o trabalho humano na criação de ambiente econômico local. A convicção de que vivemos um tempo ideal para transformações não pode se transformar também em apologias ao novo. Reler nossa história, memória e cultura é condição indispensável para inovarmos.

Espera-se que na finalização do relatório do Fórum Ceará sejam consideradas as soluções simples, baratas e satisfatórias para a população subatendida (agricultura familiar, ensino online etc) e as soluções sofisticadas para vantagens comparativas inadequadamente exploradas (cultura, turismo etc) e vantagens competitivas a serem aperfeiçoadas (biodiesel, indústria de software etc). O resultado desse Fórum não é uma estratégia, não é um plano, nem premissas teóricas. Trata-se de uma compilação de olhares, de um apanhado de reflexões explicitadas para quem se habilitar a questioná-las, valorizá-las, redimensioná-las e colocá-las em prática.

O que o governador Cid Gomes parece estar perseguindo é a pluralidade como ponto de partida para a formulação dos novos padrões políticos que pretende estabelecer para o seu governo e para o Ceará. Por sua vez, a participação ajuda a sociedade a compreender melhor a necessidade objetiva da renovação política e de criação de um novo modelo de desenvolvimento para o Ceará. Entenda-se que o envolvimento de um número cada vez maior na participação política requer a existência de lugares para a realização dessa participação. O exercício de encontrar saídas juntos passa pela integração das faces da ação dos atores concretos com os virtuais.

É bom estarmos cientes de que a participação, assim como a representação, não fazem a democracia sozinhas. Entretanto, elas são fundamentais para que a prática das diferenças entre atores autônomos ocorra suportada por garantias institucionais. No Brasil, já conquistamos a liberdade política, que é o primeiro grande pilar da democracia. Estamos no segundo estágio desse processo que é o reconhecimento do outro. E temos até 2027 para consolidar a nossa cultura democrática, com equidade e paz.