A notícia do ataque (07/10) do grupo extremista Hamas ao kibutz Be’eri, localizado ao sul de Israel, nas imediações do muro de isolamento do povo palestino que habita a Faixa de Gaza, causou grande comoção em muitos lugares do mundo. Todavia, a forma militarmente desproporcional e nitidamente reveladora da vontade de extermínio étnico manifestada pelo governo israelense foi invertendo sentimentos e suscitando protestos contra a ideia de carnificina em massa e em favor da paz na região.

Uma semana depois (14/10), as mobilizações sociais, iniciadas anteriormente no Oriente Médio, ganharam as ruas europeias em repúdio à postura trucidante das forças de Israel. Organizados por grupos de procedência árabe e por ativistas de diversas geografias e credos, defensores do fim do apartheid palestino e da geopolítica belicosa, esses atos passaram a contar também com a solidariedade de cidadania orgânica, ou seja, de pessoas que querem paz e não aceitam mais tanta atrocidade, antes de tudo porque isso é ruim para a humanidade.

Com cartazes de “Free Palestine” (Palestina Livre) e agitando bandeiras daquele povo sem Estado, milhares de pessoas ocuparam inclusive as áreas públicas de Londres, o que atribui um peso simbólico especial aos protestos, considerando-se que, mesmo com raízes milenares, a configuração do conflito Israel-Palestina no último século traz influências de quando os britânicos estiveram no domínio do território palestino (1923 – 1948) e impuseram um regime de repressões, prisões, execuções, destruições de aldeias e de promoção do crescimento de ocupações judaicas no território palestino.

Protesto no centro de Londres em solidariedade à população palestina da Faixa de Gaza. Foto: Justin Tallis/AFP (14/10/2023).

Há 75 anos, lideranças dos vencedores da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), sobretudo inglesas e estadunidenses, sem o consentimento do mundo árabe, instalaram o Estado de Israel em quase todo o território palestino, com a destruição de centenas de cidades e lugarejos, ficando duas pequenas áreas isoladas e não confinantes entre si, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia (onde fica a Jerusalém Oriental), para abrigar a parte do povo palestino que não migrou para os países vizinhos. Por outro lado, a proposta de criação do Estado da Palestina, feita então pela ONU, não se realizou até hoje.

O que parece mover o crescimento da solidariedade ao povo palestino é o aumento da percepção de que, por décadas, esse conflito perdura de forma assimétrica entre um país altamente militarizado e um povo isolado que passou a ser dominado internamente por grupos fundamentalistas armados, embora haja uma certa institucionalidade na Cisjordânia, área governada pela Autoridade Nacional Palestina. A preocupação maior no momento é com as pessoas que habitam a Faixa de Gaza, por conta da fúria dos responsáveis pelo sistema de segurança israelense, que se sentem desmoralizados com o ataque do Hamas.

As campanhas em favor da Palestina Livre procuram sensibilizar lideranças globais para conter o ímpeto brutal do governo israelense e suas incursões de cólera restritiva de alimentos, água, energia e ajuda humanitária, bombardeios desmedidos e matança de civis por terra no campo de concentração da Faixa de Gaza. Teme-se ainda pela eclosão de uma guerra regional com efeitos mundiais, o que só interessa ao mercado de armas e aos países que nutrem seus poderes e economias com a propagação de lutas armadas.

O caminho para a paz passa pela criação do Estado da Palestina. Felizmente esta tem sido a posição centrada do governo brasileiro, que tem evitado a farsa das tipificações de grupos e países envolvidos de modo a ir direto ao foco da questão. O Brasil está do lado dos que querem promover a paz; por isso, a nossa diplomacia, historicamente ponderada, é defensora da manutenção do Estado de Israel e da criação do Estado da Palestina, com fronteiras definidas e reconhecimento internacional.

Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/10/16/palestina-livre.html