No debate sobre as questões urbanas fala-se em mobilidade, paisagismo, acessibilidade, patrimônio material e imaterial, mas, pouco se discute a infância na sua relação de lugar e sentido com a cidade. A fim de que meninas e meninos possam agregar concretamente suas colaborações à vida urbana, é necessária uma mudança no modo como a criança é pensada na cidade.

Nos últimos 17 anos, vez por outra convivo com crianças de escolas públicas e privadas da capital cearense, por conta do meu livro “Fortaleza – de dunas andantes a cidade banhada de sol” (Cortez Editora, 2005), e percebo a vontade que elas têm de explorar a cidade. Este livro, não sei por que cargas d’água, ainda não tinha trilha sonora como os demais que costumo escrever combinando literatura e música. Mas essa lacuna será preenchida durante a semana da criança neste outubro de 2022, quando lançaremos a música e o videoclipe da composição que fiz com o mesmo nome do livro, interpretada pela cantora Mallu Viturino, com participação de um grupo de crianças do coral do Colégio Santa Cecília, regido pelo maestro Tiago Nogueira.

A música “Fortaleza – de dunas andantes a cidade banhada de sol”, gravada por Gustavo Portela, Rami Freitas, Plínio Câmara e Samuel Furtado será disponibilizada no Spotify, Deezer, Apple Music e demais plataformas de streaming, e o videoclipe, produzido por Helton Vilar com animações das ilustrações de Valber Benevides em mescla com imagens das crianças do coro brincando comigo pela cidade, circulação feita com apoio de Andréa Piol, será compartilhado nas minhas redes sociais e no meu canal no YouTube.

Unir em um livro/single para crianças aspectos relevantes e curiosos da história da cidade foi uma forma que encontrei para contribuir com o desejo de busca desses pequeninos corações infantis frente a uma urbanidade adultocêntrica. Percebo a infância como importante para o mundo urbano porque a relevância de uma cidade passa pelas situações de pertencimento que movimentam os sentimentos e as emoções da meninada.

No livro “Bulbrax – sociomorfologia cultural de Fortaleza” (Armazém da Cultura) faço uma ampla reflexão sobre o risco da autodepreciação existente nos modos como a criança tem sido normalmente destratada em nossa cidade. São muito poucas as ofertas de produtos, serviços e ambientes de qualidade para o exercício da cultura da infância. Não é fácil encontrar por aqui espaços pensados para as crianças; e lugares pensados com elas então, nem pensar.

Quando uma menina ou um menino chega a Fortaleza por nascimento, visita ou acompanhando a mudança da família para morar na cidade, ela encontra o natural estranhamento de um lugar desconhecido e não encontra nada que de fato dê sinais de espera por sua chegada. É como se ela fosse viver em um mundo de negações. Isso é preocupante porque, ativa ou passivamente, de forma digna ou não, todas as pessoas têm infância.

O reconhecimento da capacidade de produção simbólica da criança para a vida urbana é indispensável para as pretensões de toda metrópole que quer ter voz no diálogo global. Uma cidade para e com a criança deve investir em ambiências de compartilhamento, lugares propícios à saúde da mente e do corpo como estímulo ao restabelecimento dos interesses comuns da vida em sociedade.

Que a criança fortalezense possa brincar de cantar a sua cidade, brincar de se encontrar na sua história e fazer isso sem se sentir invasora do espaço adulto. Sem brincar o indivíduo pode crescer como ser humano, mas somente brincando torna-se pessoa de fato. Ser humano é instinto; ser pessoa é cultura. Tendo como brincar na cidade, a criança pode crescer amando e inventando uma vida urbana voltada para o querer comum.

Fonte
RIVISTA Nº247