Comprei uma passagem para Pitombas, a cidade fictícia da série Cine Holliúdy, com duas temporadas, uma de 10 e outra de 11 episódios, disponíveis no serviço de streaming Globoplay. Cultural e humoristicamente falando, sabia que o destino era alguma brenha do sertão cearense, o que, por si, já justificaria a viagem. Embarquei na proposta de entretenimento dos realizadores, cheguei lá e me diverti à beça.

A fuzarca acontece na década de 1970, quando a televisão começa a se popularizar no Ceará, e chega a Pitombas, influindo nos padrões regionais e forçando adaptações e reações morais e de costumes. Baixa o espírito de Asterix (1959) no cinemista local e, como o anti-herói gaulês de Uderzo e Goscinny na resistência ao império romano, Francisgleydisson recorre à poção mágica do próprio cinema para proteger a sua sala de projeções.

A série, escrita por Márcio Wilson e Cláudio Paiva, a partir do filme “Cine Holliúdy” (2013), de Halder Gomes, tem direção do próprio Halder e de Renata Porto D’Ave. O cearensês ‘come de esmola’ nessa comédia de situação a céu aberto, em que borbulham contradições e complementaridades entre a tradição e a cultura de massa.

Não bastasse a invasão da televisão, ameaças como discoteca e parque de diversão vão surgindo e produzindo variações temáticas. Com a mente contagiada de simbolismos dos filmes estrangeiros que exibia, Francis contra-ataca investido de caubói, marciano e kung fu, valendo-se do improviso, de efeitos especiais caseiros e de alegorias cordelísticas em que o senso imagético é o que há de mais importante na fabulação.

As invencionices de Francisgleydisson diante das limitações de recursos para a produção de filmes tem paralelo trash e cômico nas caraminholas do cineasta estadunidense Ed Wood (1924 – 1978). Desesperado para reconquistar um público que estava viciado em novela, ressuscita até o conde Drácula, interpretado por Ney Latorraca, como fez ‘o pior cineasta do mundo’ com Béla Lugosi (1882 – 1956) em tramas cavernosas.

Francisgladysson (Edmilson Filho), Belinha (Solange Teixeira) e o Seu Lindoso (Carri Costa), na série Cine Holliúdy. Foto: Marcos Rocha/TV Globo.

A série Cine Holliúdy, como toda produção que empolga pela força de personagens carismáticos em circunstâncias burlescas e bordões bem encaixados, integra a escola nordestina de dramaturgia cômica, da qual faz parte a minissérie televisiva “O Auto da Compadecida” (1999) e a telenovela “O Bem Amado” (1973). A dialética da inocência e da esperteza e, do mesmo modo, a definição de um lugar axial de acontecimentos são linhas de força presentes também em seriados televisivos populares como “Chaves” (1971) e seu drama moleque em uma vila de periferia latino-americana.

Em Cine Holliúdy, a ação desenvolve-se em um tripé de personagens âncoras e suas relações com figuras que atuam de acordo com cada episódio: 1) o cinemista Francisgleydisson (Edmilson Filho) e seu auxiliar Munízio (Haroldo Guimarães); 2) o casal de prefeitos Olegário (Matheus Nachtergaele) e Corrinha (Heloísa Périssé); e 3) Seu Lindoso (Carri Costa), o líder da oposição, e sua mulher Belinha (Solange Teixeira), donos da mercearia. O Cego Isaías (Falcão), que é o narrador, está em todas, claro.

Além desse elenco de bambas, as participações especiais também são maravilhosas, tais como: Bolachinha, Cacá Carvalho, Chico Díaz, Frank Menezes, Gero Camilo, Ingrid Guimarães, João Neto, Letícia Colin, Lorena Comparato, Luisa Arraes, Luiza Tomé, Miguel Falabella, Rossicléa e Stepan Nercessian. A série toda está povoada de personagens caricatos em histórias extravagantes. Vale a pena ver. Já estou com passagem reservada para Pitombas, no dia em que estrear a terceira temporada.