Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 24 de Julho de 2008 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A agenda positiva para o Ceará, apresentada pelo governador Cid Gomes no último dia 16, na Federação das Indústrias, é um ousado plano de muitos bilhões de reais, mas é, especialmente, uma instigação política e social, a um só tempo sonhadora e realista, que nos encoraja à reflexão e ao agir. Por isso, enfocarei neste texto não as obras e o valor estimado dos investimentos para viabilizá-las, mas a capacidade visionária do governante cearense em sua primeira exposição sistematizada de um plano de desenvolvimento para o nosso estado.

O Ceará, que no próximo ano fará apenas 210 anos de autonomia política, considerando o seu desmembramento da Capitania de Pernambuco em 1799, tem finalmente uma pauta construtiva, dependente apenas do estado de prontidão dos que poderão tomar para si a tarefa de agregar contribuições, exercer a crítica e o consentimento, preferencialmente distanciadas das queixas de interesses paroquiais, na sua consecução e no alcance dos seus benefícios derivados.

Circunstâncias geopolíticas internacionais e fatores culturais e políticos brasileiros alteraram a rota do nosso desenvolvimento e exigem novos e atentos olhares ao momento fecundo que se pronuncia no mapa do Brasil de Lula. Saímos da condição de subordinados imitadores para a de altivez nas relações internacionais e, no plano interno, temos edificado os fundamentos de “concertação” da nossa democracia. Em termos de cultura econômica flexionamos os moldes dominantes globais com iniciativas concretas que vão dos ecocombustíveis à irrigação de moedas no corpo das camadas populares, que se encontrava em vias de decomposição tecidual.

Pelo que pude observar na exposição do governador, o Ceará está se movendo bem dentro desse espaço de oportunidades que afloram da atual condição sócio-econômica e política do País. Cid Gomes faz isso com a imagem do executivo público das sociedades pós-convencionais, ao demonstrar clareza sobre a situação do estado que dirige e evidenciar o que pode ser evidenciado em suas intenções e práticas administrativas.

A agenda cearense não é de fácil implementação. As aspirações da maior parte das nossas elites são bastante rasas, vegetativas, e, por vezes, rebaixadas por um histórico de falta de visão estratégica de fato. O sucesso do conjunto de medidas apresentado por Cid, no seu papel de personalidade expressiva do processo político cearense da atualidade, depende em muito do efeito da sua proposição no que diz respeito à substituição do nosso atávico comportamento pontual, cartesiano e imediatista por atitudes e reações voltadas para o dinâmico, o sistêmico e o duradouro.

O sentido de conexão de empreendimentos e de realização por processos, denotado pelo governador na agenda positiva cearense, revolve as práticas tradicionais de concentração de investimentos na região metropolitana da capital e dilui a primazia do litoral e do urbano sobre o interior e o rural. Ele não fala em interiorização de nada. Quando assume a necessidade de o Estado subsidiar a mamona e o girassol para viabilizar as usinas de biodiesel no Ceará, comprova que tem a medida certa do cunho social que precisa ser incutido nesse tipo de atividade econômica.

A agenda positiva do Ceará inaugura um novo momento de pensamento e de ação, no qual a convergência do olhar possa transpassar os obstáculos das divergências naturais e saudáveis dos conflitos da vida política. Observada assim, ela pode ser vista como algo acima da exclusividade dos interesses localizados e dos vícios da dependência regional nordestina, para ser algo compatível com os tempos atuais e com a nossa condição de influir para a promoção da eqüidade social e econômica brasileira.

O que o governador coloca em ponto de decolagem não são promessas e sim perspectivas de meios físicos, importantes ao preenchimento dos nossos desejos e necessidades, enquanto cearenses naturais ou adotivos. Não é nem poderia ser tudo o que precisamos, mas me parece um feixe de luzes balizadoras da cabeceira da pista que nos liga ao futuro.

A descrença na política tem sido progressiva em todo o mundo, por conta dos sucessivos deslizes escandalosos dos maus políticos e da ampla dificuldade de entendimento da lógica do discurso político em si. Enquanto de um lado ações ardilosas traem o sentido de público, de civilidade e de bem-estar coletivo, que em linhas gerais fundamentam o fazer político, de outro, o discurso político passou a ser praticamente confundido com enganação por ter, em sua linguagem preceitos que nem sempre coadunam a fala com a prática do orador. A fala na política precisa ser lida pela extensão do que ela pretende alcançar no objetivo do político e não no que expressa em seu conteúdo.

Ter código próprio é uma característica da voz política que sempre teve e sempre terá problemas de incompreensão. A verdade política nunca foi um direito da maioria da população em qualquer sistema político. Essa questão está posta na “pseudologia política”, do satírico teólogo irlandês Jonathan Swift (1667 – 1745), segundo a qual é mais difícil convencer as pessoas de uma verdade objetiva do que lhes fazer acreditar em uma falsidade útil. Swift tornou-se célebre como autor do clássico “Viagens de Gulliver”, fantasia crítica por meio da qual ele ironiza a fragilidade dos gigantes e a pequenez lilliputiana, condenada por uma intolerância política decorrente das disputas partidárias entre os defensores dos saltos altos e os defensores dos saltos baixos.

Seja como for, entendendo ou não o viés da sua linguagem, a política é determinante em nossas vidas e não há como viver sem ela; sem os efeitos das suas interferências. Essa compreensão tem me levado a seguir participando de momentos políticos, que envolvem a sociedade civil, e a procurar contribuir com o debate político, a partir do que consigo enxergar de algo mais na rotina cultural, como tenho feito semanalmente nas páginas deste Diário. Sinto-me entre os que não se deixam abalar pelo pessimismo resultante da crise de significados que obscurece o sentido da vida em sociedade.

Quanto à questão da agenda positiva exposta pelo governo cearense, sei que ela sugere muitas interpretações e que, concordando ou não com tudo o que está posto, avaliando-a suficiente ou não, atinando ou não para a pouca ênfase dada à educação e nenhuma às ações culturais, talvez pela exigüidade do tempo e do perfil da platéia, acho louvável o fato de termos claramente um traçado de escolhas no painel de controle do governador. De igual importância, considero a forma como o plano contempla as cadeias sócio-econômicas e as diversas regiões do estado. Cid fala em cinturões, anéis, coisas elipsoidais que se entrelaçam. Temos novidades no ar.