POR TODOS ESSES ANOS – Um presente compartilhado
Artigo publicado na RIVISTA do MINO nº 161 (Editora Riso), pág. 20
Edição de agosto de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Resolvi dar de presente uma música para a Andréa no dia em que completamos 25 anos de casados (14/07/2015). Com o título Por Todos Esses Anos, a composição, feita em parceria com o amigo e grande compositor maranhense Josias Sobrinho, fala dos valores construídos como plataforma da nossa relação.
A gravação dessa música precisava de uma interpretação que fizesse jus ao seu peso simbólico. E o presente contou com a generosa gravação de um clipe feita pelo querido e emblemático Evaldo Gouveia que, aos 87 anos, é o cearense vivo mais importante da música brasileira; representante maior das canções de amor e do momento em que a música do Ceará conquistou (com os coletivos vocais do final da primeira metade do século passado) seu mais expressivo destaque no cenário musical do nosso país.
Mas tinha outra dimensão nessa composição-homenagem, que não poderia deixar de ser contemplada. É que quando os nossos filhos Lucas e Artur nasceram, eles ganharam de presente de acolhida um buquê de canções de ninar e de brincar que fiz exclusivamente para eles. Essas cantigas foram gravadas na voz cristalina e bela da amada amiga Olga Ribeiro, acompanhada por um coro de crianças; tudo sob a regência amorosa e encantadora dos amigos fraternos Tarcísio Sardinha e Erwin Schrader.
Isso se passou em 1999 e 2001, quando fizemos respectivamente os cds Samba-le-lê e Bamba-la-lão, depois editados em um só livro-cd com 20 histórias e 20 músicas, intitulado Flor de Maravilha (Cortez Editora). Pois bem, desse coro infantil, duas meninas lindas tornaram-se cantoras, a minha sobrinha e afilhada Ilya Borges e a filha do Sardinha, Bárbara Sena. E foi com o trio Olga Ribeiro, Ilya Borges e Bárbara Sena que produzimos outro clipe com outra versão da música Por Todos Esses Anos.
A nova versão de Por Todos Esses Anos contou com o auxílio luxuoso dos músicos Adelson Viana e Hoto Jr, que, assim como o próprio Tarcísio Sardinha (que fez o arranjo e a direção musical), participaram dos dois discos infantis feitos para os nossos filhos. Mas teve mais, pois desse clipe com a Olga, a Ilya e a Bárbara, participaram o Lucas e o Artur tocando violão, numa espécie de metalinguagem amorosa e adolescente.
Diferentemente de quando fiz a direção artística dos cds dos meninos, acompanhando cada detalhe dos arranjos e das gravações, dessa vez deixei o Tarcísio Sardinha definir ao seu bel prazer como queria embalar o presente. Do mesmo modo ocorreu a gravação da voz e do violão do Evaldo Gouveia, que ajustou a nossa composição ao seu estilo para cantá-la confortavelmente. Convém dizer que a produção executiva da gravação com o Evaldo foi feita pela Vita Christoffel, a mesma produtora do show de lançamento do cd Samba-le-lê, em 1999, com a Olga, o coro infantil do qual a Ilya e a Bárbara fizeram parte, e uma banda que tinha o Tarcísio Sardinha, o Hoto Jr e o Adelson em sua formação.
Por Todos Esses Anos fala dos valores construídos como plataforma da nossa relação. Na primeira estrofe, conta de um amor que é cotidiano, experienciado como parte do processo existencial: “O tempo passa em nós / como uma voz / a nos dizer / o que não deve ficar pra depois / das coisas simples, coisas vividas / trazidas na nossa vida a dois”. Em seguida, revela o quanto é importante respeitar as individualidades, a fim de não cair nas armadilhas da rotina: Por todos esses anos / com você eu aprendi / que somos outros todo dia / que são tantas de você / nascidas no meu bem querer”. O clipe com a Olga, a Ilya e a Bárbara procura representar também, na figura de três cantoras, esse sentido do “são tantas de você”.
Costumo dizer que a melhor forma de assegurar a estabilidade no amar é não prestar muita atenção no que a sociedade entende que é ou como deve ser um casamento. Para mim sempre foi muito claro que investigar o outro, querer saber para onde foi, com quem andou etc, é um dos principais males para qualquer relação: “Nunca quis o que teria sido / ser botão no seu vestido / sufocar seu coração / pra merecer o seu amor”. Neste aspecto, é fundamental não confundir respeito e confiança com indiferença e desapego.
O bom mesmo é compreender que há um tempo para tudo. Passamos uma década sem ter filhos, usufruindo intensamente de tudo o que inicialmente nos motivou a viver juntos e quando relaxamos para que as crianças chegassem elas puderam ser recebidas de braços abertos: “Seja o que for o amor / no nosso caso ele amanhece / abraçando os nossos filhos / e permanece como fosse começar”. E tudo vai mesmo se reenergizando na criação permanente de novos motivos da chamada vida a dois, quando seguimos ouvindo os conselhos da voz do tempo.