A notícia naturalizada de que a Livraria Saraiva encerrou suas atividades em Fortaleza na quinta-feira passada (11), e de que esse fechamento está acontecendo em quase um quinto das suas lojas no país, é mais uma prova de que estamos cada vez mais apáticos diante de um efeito cascata na cadeia do livro, que reduz os horizontes de reflexão, da sensibilidade e do senso crítico.

Há cinco anos testemunhamos o fechamento da Livraria Cultura na capital cearense. No artigo “Aliança Fnac e Livraria Cultura” (V&A, 26/07/2017), manifestei minha apreensão diante desse evento gerador de grande impacto na cultura local. Naquele momento, foram em vão os esforços da empresa de incorporar operações da Fnac, de adquirir a plataforma Estante Virtual e de ter entrado no comércio digital pelos canais do Mercado Livre.

A primeira interrogação que me vem à cabeça quando fecha uma livraria é por que os governos não se apressam em evitar o problema, como acontece quando um banco quebra. Até que ponto se justifica os poderes públicos gastarem muitos bilhões para salvar bancos privados e não se mexerem para viabilizar alguns milhões para impedir a falência de livrarias é uma questão que se impõe à sociedade.

Em um mundo dominado pela financeirização da vida, é possível essa comparação soar esdrúxula. O senso comum é levado a entender que banco não pode quebrar, sob pena de potencializar recessões e outras doenças da economia. Isso faz com que os governos ajam rápido, aportando os recursos necessários para conter esse tipo de colapso, de modo a evitar o contágio de outras instituições bancárias.

Nas redes de bancos, os produtos e serviços comercializados são dinheiro, ações, dívidas, títulos, seguros, transações especulativas e outras maneiras de enriquecimento na virtualidade das moedas. Nas redes livreiras, as pessoas consomem reflexões, saberes, conhecimentos e diversão, podendo adquirir grandes fortunas de imaginação, de visão de mundo e de diferentes percepções sociais.

Detalhe da 20ª loja da livraria Zhongshuge, aberta em 2020 na praça Xi’dan de Pequim. Foto: reprodução/redes sociais.

O colapso do sistema de livrarias coloca em risco a reflexão de um povo, gerando para a sociedade mais incertezas e instabilidades do que a quebra de alguns bancos. No artigo “O sumiço das livrarias” (V&A, 29/09/2020), pondero o quão pouco nos damos conta da desaparição desses espaços de livros e leitores, esquecendo que, sem livraria, perdemos um ponto de alimentação da autonomia do pensamento e, sem o livro, estamos condenados a ser uma sociedade acrítica.

Dá um certo alívio saber que algumas livrarias estão despertando para o malefício que vêm fazendo a si mesmas ao decalcarem modelos de outros setores comerciais, a exemplo dos supermercados, que negociam com fornecedores espaços de gôndolas, tirando do consumidor a oportunidade de encontrar produtos de sua preferência. Nem todo mundo sabe que as pilhas de best-sellers e blockbusters encontrados nas entradas e nas vitrines das livrarias estão ali porque as grandes editoras pagam aos livreiros para isso.

O resultado é que o autêntico comprador de livro foi perdendo o interesse pelas livrarias e fazendo suas buscas na internet, haja vista a dificuldade de encontrar títulos que não sejam homogeneizantes. Percebendo isso, depois de sucessivos prejuízos com esse modelo comercial manipulador, a varejista estadunidense Barnes & Noble, fundada em 1886, já anunciou que está voltando ao seu objetivo original, que é ser uma livraria de fato, com livros diversos e vendedores que, no mínimo, gostem de ler.

Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/05/15/quando-fecha-uma-livraria.html