Depois de uma semana interagindo com estudantes, educadoras e educadores do Estado (Departamento) de Canelones, Uruguai, artistas que atuam no campo da música infantil latino-americana e caribenha reuniram-se domingo último, 19, no auditório do Parque Artigas, na cidade de Las Piedras, a cerca de 30 km da capital Montevidéu, para uma troca de manifestações sobre a realidade de seus países, em percepção histórica.

A historiadora Elena Pareja, especialista nos ideais artiguistas de soberania, democracia, pacto federativo e republicanismo, realçou os painéis de pinturas em azulejos que dão àquele espaço a dimensão memorial da gana dos antepassados cisplatinos na luta pela emancipação das colônias espanholas na América. As manifestações procuraram traçar perspectivas de novos olhares de esperança na convergência de povos que, apesar de ainda devastados, fazem canções, cantam, contam e se divertem com suas crianças.

A cultura como um campo de batalha e a infância como um compromisso de vida entrelaçaram-se nas falas dos participantes, como reafirmação individual e coletiva da motivação de fazer arte com a seriedade e a força imaginativa de meninas e meninos quando brincam. Nessa trama, vale pensar a história funcionando como eixo de transformações na apreensão, integração e apropriação do mundo, enquanto a música liga contextos de um continente em busca de si mesmo.

A maneira espontânea e espalhada simultaneamente pelos quatro cantos de um território, como aconteceu no 16º Encontro da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha (Mocilyc), revela o comprometimento do governo de Canelones com a cidadania infantil. O governador (intendente) Yamandú Orsi é professor de História e militante da Frente Ampla, coalização política da qual faz parte o legendário ex-presidente José Mujica.

Localizado ao sul do país e banhado pelo Rio da Prata (Río de la Plata), Canelones é um dos principais produtores de alimentos do Uruguai, tem vinhedos importantes e uma boa estrutura turística na região de praias fluviais. Como forma de democratização dos acessos, mais de dois terços dos seus 30 municípios experienciaram esse encontro de crianças e artistas da canção infantil em centros culturais de suas localidades.

Paulo Bi no anfiteatro de Atlántida, tendo ao fundo o Río de la Plata.

Na condição de autor do livro “¡Qué noche, Torito!” (Telos Editora), cujos conteúdos literários e musicais estão na base do espetáculo “El balanceo de Torito”, da cantora uruguaia Luana Baptista, tive a oportunidade de acompanhar várias apresentações do Mocilyc em Canelones. Com uma banda formada por músicos uruguaios – Santiago Bolognini e Santiago Massa (violões), Xime Bouso (percussão) e Gabriel Ravera (baixo) –, o Torito interagiu com estudantes do bairro Vista Linda, na cidade de 18 de Mayo.

Levando-se em conta feitos e fatos da história latino-americana, a data que dá nome a esse município está associada à Batalha de las Piedras (1811), primeira vitória do exército de José Artigas (1764 – 1850) contra os espanhóis nas guerras pela independência. Durante a apresentação, contamos com a presença da prefeita (alcaldesa) Adriana Sanchez, a única mulher afrodescendente à frente do executivo municipal, de todos os 19 municípios uruguaios. No mesmo palco, assistimos ao divertido teatro musicado “Tumbalé”, do grupo Cocoa, do Uruguai.

Em Salinas, vi a encantadora narrativa ecológica do grupo El Son del Frailejón, da Colômbia, e o grupo Casacuerda, da Argentina, entoando María Elena Walsh (1930 – 2011); em Atlántida, o som cativante de Paulo Bi, do Brasil, com direito a reco-reco de sapo e Jackson do Pandeiro; e, no espaço Dínamo, onde Canelones retroalimenta e transforma energia criativa em ativo de desenvolvimento, foi a vez de curtir Diego y Los Gatos del Callejón, do Equador, e seu rock cogeracional. Afinal, a canção infantil não tem idade.

Fonte: Jornal O POVO