Um freio à publicidade abusiva
Portal Cultura Infância, agosto de 2008

Artigos e Teses

Escrito por Flávio Paiva 

Com a aprovação no dia 9/7/2008 do substitutivo do Projeto de Lei nº 5.921/2001, da deputada mineira Maria do Carmo Lara, que propõe a proibição da publicidade dirigida a menores de 12 anos e restringe os comerciais destinados à faixa adolescente de 12 a 18 anos, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal calibrou ainda mais o freio que a sociedade civil brasileira vem se mobilizando para estabelecer com relação à publicidade e à comunicação mercadológica dirigidas a esses públicos.

O texto proposto originalmente pelo deputado paranaense Luiz Carlos Hauly segue uma tendência de reversão do consumismo nos lugares onde, por questões de zelo psicossocial, ambiental e de saúde pública, as pessoas já despertaram para os efeitos nocivos desse tipo de insistência inoportuna do mercado. “De 73 países estudados pela Organização Mundial de Saúde, 85% têm regulamentações sobre publicidade para crianças. Entre eles, Noruega, Suécia, Grécia, Itália, EUA, Dinamarca e Coréia” (Jornal “Propaganda e Marketing”, de 14/7/2008).

É bom ressaltar de antemão que essa abordagem não desconhece a relevância econômica e social da publicidade e da comunicação mercadológica, nem se inspira na lógica das soluções necessariamente atreladas a políticas proibitivas. Acontece que a sociedade não deve deixar que a dimensão da reciprocidade solidária, indispensável às relações humanas, seja terraplenada pelo rolo compressor simbólico da propaganda enganosa e abusiva ou pelo sofisma de que a vigilância social diante dos seus conteúdos e formas seja inconstitucional ou que cerceie a liberdade de informação.

A regulamentação é um recurso de balizamento à equalização dos princípios universais que ainda carecem de consenso entre os interesses políticos, econômicos, sociais e culturais. O zelo pela saúde pública, nas suas funções orgânicas, físicas, mentais, criativas e, por extensão, no seu sentido psicossocial, é uma obrigação de todas as elites, não em bravatas retóricas utilizadas pelas mais poderosas na tentativa de continuarem se beneficiando da confusão existente entre consumo, consumismo, bem-estar e felicidade, mas pela consciência e determinação das mais aptas a agir e a pensar a vida com sustentabilidade de fato.

A aprovação desse PL, que imprime um freio à publicidade abusiva, merece comemoração, entretanto, a luta por sua aprovação, que já vem de sete anos, ainda tem muito o que conquistar. O natural seria que tendo passado pela apreciação da Comissão de Defesa do Consumidor, a proposta fosse dirigida para a avaliação da Comissão de Constituição e Justiça e, se aprovada, para o crivo do Senado. Mas, por requerimento feito pelos deputado paranaense Ratinho Júnior e pelo deputado paraense Lúcio Vale, o assunto recebeu novos diques e também será examinado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, antes de seguir para embates no Senado Federal.

Precisamos ter paciência e perseverança nessa jornada, pois o aumento da participação das crianças e dos adolescentes no cerco ao consumo exagerado ainda é, por incrível que pareça, um potencial mercadológico embrionário. Deixar que cresça sem limites a prática dessa vontade de poder absoluto e de fazer tudo o que quer, reclamada pelos profissionais que exercitam a perversão no plano cultural, educativo e de sociabilidade ocupado pela comunicação de venda de produtos, de serviços, de modo de vida e de visão de mundo, é um desleixo social sem par. Para usufruirmos dos fantásticos avanços produzidos pela inteligência humana, sem comprometimento do futuro, é imprescindível que corrijamos suas distorções. E uma delas está na publicidade abusiva.

Flávio Paiva é jornalista, colunista semanal do jornal Diário do Nordeste, membro do conselho do Projeto Criança e Consumo (www.criancaeconsumo.org.br) e autor, dentre outros, dos livros “Flor de Maravilha” e “A Festa do Saci” (Cortez Editora). 

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