Uma lamparina no fim do túnel
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 08 de julho de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Bem ou mal, as festas juninas insistem em acompanhar o tempo do Brasil como expressão cultural aportada nas origens do país com a religiosidade popular e desenvolvida séculos afora ao gosto alegre da diversão laica. Mistura de tradição europeia com elementos indígenas e africanos, essas manifestações avançaram do campo para as cidades, tornando-se de grande importância à vida urbana.

Em choque com a indústria do entretenimento de massa, desde a segunda metade do século passado, entrou em perda de consistência cultural e passou a sobreviver de maneira fortuita, descolada de um ecossistema social que pudesse dar suporte à sua força integradora. Sob um céu embaciado, sem estrelas, sem balões, as noites de São João passaram a gritar por socorro.

Ouvindo por esses dias o CD Céu de Lamparina, do grupo do mesmo nome, com canções colhidas nas apresentações do Festival de Música Junina de São Luiz do Paraitinga, sinto que nem tudo está perdido. A claridade sonora do candeeiro dessa cidade do interior paulista, situado no Vale do Paraíba, tem cores de festa de rua e gosto de comida de quermesse, temperada por uma política municipal voltada aos prazeres da convivência e ao turismo cultural.

Nesse festival, realizado desde 1997, o espírito das festas de junho está presente no orgulho de ser caipira, na poética da vida simples e na naturalidade do ambiente, que não necessita dos artificialismos das cidades cenográficas e dos grandes palcos para a apresentação preponderantemente de figuras manjadas dos esquemas breganejos e de cantores chapa-branca, como na fan fest junina que acabou de prestar um grave desserviço cultural a Fortaleza.

Das capitais brasileiras, a do Ceará é provavelmente a que mais tem festivais de quadrilhas nos bairros. É incrível a vitalidade dessa tradição, mas o apoio dos poderes públicos e da iniciativa privada aos nossos brincantes é muito simplório, muito insosso; apenas aquela coisa da chupeta para não chorar. Falta estratégia de cidade, falta conceito de cultura e sobra conluio de grupos parasitas do poder, sempre promovendo ações concentradoras e tirando vantagem pessoal do que poderia ser favorável ao coletivo.

Para fazer de um lugar uma referência cultural e um destino turístico, é preciso mais de honestidade de propósito e de inteligência gestora do que de muito dinheiro. O caso de São Luiz do Paraitinga é emblemático nesse sentido. Conhecida pelo animado carnaval de rua, essa cidade musical lançou mão do som produzido pelos foguetes de vara, utilizados nas festas religiosas para espantar maus espíritos, para criar o seu Arraiá do Chi Pul Pul.

Com uma onomatopeia tirada de algo que alude aos rituais do fogo e do afugentamento de demônios, os organizadores desses festejos criaram um festival de música sem categoria, ou seja, apenas com uma premiação cheia de engenhosidade: o 1º lugar ganha um bezerro, o 2º um porco, o 3º um pato, o 4º uma galinha, o 5º um ovo e o 6º uma pena. Pior é que todo mundo torce para ganhar a pena, que pode ser colocada em um quadro e, com isso, dar mais permanência ao feito. Eis uma festa junina!!!