REVISTA INSIDE BRASIL. Novembro de 1997

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FAC-SÍMILE

Passados cinco anos do lançamento do elepê América, com foco musical nos 500 anos de colonização, a intérprete Olga Ribeiro volta com novo disco temático, cantando o pão e seus significados no universo da MPB.

Ela tem voz inconfundível, clareza de interpretação e muita história para contar. Foi revelação nos festivais estudantis na Fortaleza dos anos 70 e, na década seguinte, ganhou reconhecimento por sua atuação em shows individuais, com a Banda Pré-Histórica das Moças Donzelas e em turnê nos EUA como integrante do Quart’ETON. Cantou ao lado de Zezé Motta e Joyce, participou do Projeto Pixinguinha e gravou faixas em alguns discos de artistas cearenses da sua geração. Em 92, lançou o LP solo América, tecendo uma leitura musical muito peculiar do Continente em seus cinco séculos de colonização.

Determinada a voltar ao cenário da MPB com mais arrojo, Olga Ribeiro pretendia, até o final de 97, remasterizar e lançar em CD os fonogramas do América, ao mesmo tempo em que desenvolvia pesquisa para um novo disco provisoriamente intitulado Bamba – trabalho centrado na sonoridade, simplicidade e sutileza da mulher brasileira. Mas todo esse conjunto de planos teve um reforço seguido de inversão de prioridades quando Olga Ribeiro foi surpreendida com uma sugestão que considerou, literalmente uma proposta para meter a mão na massa. “O contato imediato aconteceu no dia primeiro de agosto, após minha apresentação no projeto Brahma Cultural 6ª com Arte, no Sindicato dos Jornalistas, em Fortaleza”, lembra Olga. “No final do show o empresário Amarílio Macedo perguntou se eu não gostaria de fazer um trabalho tendo como fio condutor a importância do pão em nossa cultura. Foi sincronicidade total”, revela. Rapidamente o projeto foi apresentado à Comissão de Avaliação de Projetos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará e, aprovado, recebeu o patrocínio integral da J. Macedo Alimentos.

Soprano – Composto de dez faixas, o novo disco de Olga Ribeiro, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 98, retrata diversos focos da presença do pão em nossa poética musical, a exemplo da fantasia sócio-amorosa de Pão e Poesia (Moraes Moreira/Fausto Nilo), que dá título ao trabalho; do jogo metafórico que remete à atmosfera da Padaria Espiritual, em Artigo 26 (Ednardo); dos impulsos de paixão incandescente em Pelo vinho pelo pão (Zé Ramalho) ou o canto de fertilidade expresso na música Cio da Terra (Chico Buarque/Milton Nascimento).

Movida por uma inspirada segurança, Olga Ribeiro faz com que seu canto seja sentido e entendido com a profundidade que a grandeza do repertório sugere. A liberdade rebelde e sonhadora da juventude aparece em Todo o amor que houver nessa vida (Cazuza/Frejat) e o sentimento fraternal surge em Comunhão (Milton/Brant); assim como flashes da vida nos bares estão em Conversa de Botequim (Noel/Vadico). Não [e preciso demorar muito para perceber a diversidade e a riqueza dos valores que essenciais que compõem a obra. Tudo está bem costurado pela sutileza artística de Olga Ribeiro, essa soprano que tão bem exercita o grave, mantendo densos agudos na outra ponta da extensão. O disco reúne momentos humanos de melancolia, como a trama da separação em Drão (Gil), de sátira dramática, na bela Pão Doce (Carlos Sandroni) e no duplo sentido sadio da graciosa marchinha É pão ou não é (Ary Barroso), sucesso há exatos 50 anos (carnaval de 1947) na voz de Aracy de Almeida.

Embalagem – Com coordenação artística do jornalista Flávio Paiva e produção executiva da cantora Mona Gadelha, Pão e Poesia agrega ainda toda a experiência, envolvimento e brasilidade do grupo Aquilo Del Nisso, capitaneado pelo produtor musical André Magalhães. Outros temperos na medida contribuíram sensivelmente para a qualidade final do trabalho, como o trombone do Bocato e o piano de Lincoln Antônio que, somados à suavidade afinada da intérprete deram a consistência desse disco essencialmente acústico, bem brasileiro e universal.

Para embalar esse estojo de música e poesia, a artista gráfica Vânia Vieira harmonizou estampas com base na textura do pão francês, ciabata, integral e na casquinha do pão doce e pão de hambúrguer com gergelim. O efeito final oferece um jogo estético sóbrio que agrada pela limpeza visual, equilíbrio e identificação temática. No rótulo do CD, a imagem do miolo do pão integral estourada dá uma sensação de superfície lunar. E, com certeza, não haveria um melhor lugar para esse encontro entre o pão e a poesia.

O Cd nosso de cada dia 
Com o controle, cada vez mais intenso, das lojas de disco pelas grandes gravadoras, a produção alternativa segue permanentemente sua busca de saídas inovadoras. A exemplo da distribuição do CD Canções de Ninar, de Paulo Tatit, que vendeu mais de 10 mil cópias diretamente em lojas de presentes para crianças, a Plural de Cultura pretende explorar o filão das padarias. As chamadas butiques de pães já vendem revistas e poderão ser bons pontos de vendas de discos. A expectativa dos produtores do CD Pão e Poesia é o despertar das pessoas para a música como alimento do espírito. E a estratégia de distribuição deve driblar os formatos dos tradicionais pontos de venda, observa o produtor cultural e jornalista Flávio Paiva.

Dois discos especiais 
Com qualidade técnica e valor artístico inquestionáveis, os discos de Olga Ribeiro diferenciam-se pelo esmero temático e precisão estética.

AMÉRICA

Intérprete: Olga Ribeiro 
Ano de edição: 1992 
LP: 3.000 exemplares 
K-7: 1.000 exemplares 
Nº de faixas: 09 (nove) 
Produção Fonográfica: Flávio Paiva e Olga Ribeiro 
Produção Musical: Tarcísio José de Lima, Eugênio Matos e Liduino Pitombeira 
Produção Executiva: Flávio Paiva e Olga Ribeiro 
Participação Especial: Papete e Juan Carlos Perez 
Projeto Gráfico: Geraldo Jesuíno 
Fotografia: Alcides Freire

Apoio Cultural: 
LP: UFC e CEF 
K-7: UFC e IBASE

PÃO E POESIA

Intérprete: Olga Ribeiro 
Ano de edição: 1997 
CD: 8.000 exemplares 
Nº de faixas: 10 (dez) 
Produção Fonográfica: Plural e Cultura 
Produção Musical: André Magalhães 
Produção Executiva: Mona Gadelha e Rosely Lordello 
Participação Especial: Bocato e Aquilo Del Nisso 
Projeto Gráfico: Vânia Vieira 
Fotografia: Alcides Freire

Apoio Cultural: 
J. Macedo Alimentos 
Lei 12.464, de 29.06.95 (CE)

Reincidência AutoralGilberto 
Gil é o único autor presente nos dois discos