Jornal O POVO – Vida & Arte, 19/03/1997


[CHAMADA] Procissões marcam dia de São José
O dia de São José, padroeiro do Ceará, é comemorado hje com procissões em várias paróquias de Fortaleza. A Funceme não prevê chuvas para a data que marca a última esperança de um bom inverno. A história de agricultores que esperam até hoje as chuvas no dia de São José está no livro Retirantes na Apartação, do jornalista Flávio Paiva.

Ethel de Paula ( da Editoria do Vida & Arte)

Em 1987, o agricultor Vicente Fonseca Melo saiu de Croa Grande, interior de Boa Viagem, sertão cearense, para a cidade de São Paulo, com sua mulher e uma filha, fugindo da seca. Dez anos depois, a família espera a chva ou os planos de emergência para ter como viver. Mas, com certeza, não volta para São Paulo
Céu claro em Boa Viagem , a 214 Km de Fortaleza. Mau tempo para quem tira sustento da terra. A chuva tarda e nem adianta se valer da pedra de sal ao sereno, do vôo dos urubus, do choro da acauã ou da flor do cajueiro… Se hoje, 19 de março, dia de São José, o céu não desabar, as esperanças de inverno e fartura no interior do Estado vão por água abaixo. Em Croa Grande , distrito a 18 Km do município sede, atravessar o rio Barriga a pé não tá difícil. Parcialmente seco, ele já não abastece como antes os potes de barro das casas da redondeza.
Em 1987 a situação não era muito diferente. É catar o livro-reportagem Retirantes na Apartação(Qualitymark, 60 pgs. 1995), do jornalista Flávio Paiva e confirmar: Vicente Fonseca Melo, o Neto, protagonista real, tava de partida com a esposa Zulene e a filha Aline pra São Paulo. Tinha cansado de pelejar com a terra árida. Voltou em três meses, com a certeza de que a miséria extrapolou o Nordeste. Hoje, dez anos depois, tenta traçar um paralelo com o passado. Difícil. Á exceção do nascimento do filho caçula, Alex, nada mudou.

V&A – Faz dez anos que vocês saíram de Croa Grande pra tentar a vida em São Paulo. Valeu a pena?

Neto – Foi a primeira vez que a gente saiu. Aqui nós vivia de agricultura. Nós saímos porque foi no tempo de uma seca medonha, em 87.
[…]

V&A – E por que vocês escolheram logo São Paulo?

Zulene – É história do povo, muié! O pessoal dizia por aqui que São Paulo era o lugar que ganha dinheiro. Aí eu disse: “então se é o lugar que ganha dinheiro, se é de ficar morrendo de fome aqui, vamo logo pra lá”. Nós nçao tinha emprego prometido nem nada. Só que tinha um irmão meu e um cunhado lá em Diadema e a gente se confiou nisso.
[…]

V&A – Como foi a viagem?

Neto – Pegamo um ônibus de Boa Viagem pra Picos. De lá pegamos outro pra São Paulo. Foi mais de dois dias de viagem. Mas não sei contar direito bem como foi não…

Zulene – Por que tu não diz logo que ia morrendo de medo? Não ia mermo? (risos) Quando o ônibus dava uma curva mais deitada ele dizia: “Vala-me Nossa Senhora é agora que nós vamo morrer”. Era assombrado e fazia medo a gente. Eu não. Eu sou assim: Depois que vou, boto pra Deus e vou embora, não to nem aí.

Neto – Eu ia mermo assim. Nunca tinha viajado, então me deu uma coisa assim na cabeça, ave-maria… Porque quando a gente foi só tinha a Aline, pequena. O Alex ainda não tinha não… Mas o Flávio (Paiva) foi com nós — ele e o André (Lima) — e não deixou faltar nada no caminho. Nós ia com um dinheiro bem pouquinho, só o dinheiro da passagem quase, na lona mermo…
[…]

V&A – E hoje, comparando com a época da seca de 87, como é que ta a situação de vocês?

Zulene – Se não haver Emergência é a mesma coisa. Mas aqui só é ruim por causa que a pessoa não tem emprego. E por causa que não tem inverno. Mas se num fosse, o lugar da pessoa morar era no interior.