DIÁRIO DO NORDESTE- Caderno 3: Música
Fortaleza, 09 de janeiro de 1998

FAC-SÍMILE
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Por André Marinho, da editora Caderno 3

O show Anna Torres canta Flávio Paiva volta após três apresentações em Fortaleza e um na praia de Canoa Quebrada, no início de agosto do ano passado, por ocasião do lançamento do CD “Terra do Nunca”, do compositor Flávio Paiva. A artista volta para duas apresentações. A primeira hoje, no projeto Brahma Cultural 6ª com Arte, no Sindicato dos Jornalistas. Outra amanhã, no novo espaço cultural The Wall. 

Ao lado dela, o saxofonista cearense Elismário Pereira e o trombonista paulista Bocato fazem a trupe dos metais. Completam a banda a guitarra de César Botinha (ex-Daúde), a bateria sob medida de Leandro Paccagnella (ex-Mona Gadelha) e o baixo de Paulo Lepetit (ex-Itamar Assumpção), que também responde pela direção musical. No Sindbar, ela canta as 12 faixas do CD “Terra do Nunca” e um reggae bônus inédito, feito em parceria com Flávio Paiva – “Degrau por Degrau”, que fala da atual condição feminina. No The Wall, mostra
8 músicas, encerrando o show tríplice, precedido pelas apresentações instrumentais de Bocato e Paulo Lepetit. 

A cantora maranhense impressionou os cearenses quando estreou por essas bandas por causa da voz e o suingue, que combina soul, funk, reggae, numa mistura eclética e saudável. Radicada no Rio de Janeiro há dois anos, a artista faz atualmente uma temporada no Othon Palace carioca. No mês passado, fez uma apresentação no Hipódromo Up, num show em homenagem ao compositor João do Vale, cantando os grandes sucessos dele. “Meu conterrâneo, ele deixou preciosidades e foi interpretado por grandes artistas como Maria Bethânia, Chico Buarque, Gilberto Gil, Tom Jobim”, lembra. Músicas como “Carcará” imortalizada por Maria Bethânia em visceral interpretação, estiveram no repertório, numa releitura dos arranjos em pop music. 

Também em terras cariocas participou de um CD sobre os 50 anos da Feira Nordestina no Rio. Gravou em estúdio músicas do compositor José Carlos Paleschuck, num CD que está em fase de produção, e será lançado depois do Carnaval deste ano. 

Mas o projeto em que se debruçou é no relançamento de seu CD de estréia “Anna Torres”, na terra da Copa do Mundo, a França. Em abril, os franceses poderão ouvir as onze músicas que fazem parte do trabalho, que foi gravado e lançado independente em 1995. “O disco é bem eclético, pop, com blues, funk, soul, dentro dessa mistura rítmica do fim de século”, explica garantindo que essa fusão de ritmos é uma espécie de releitura e reciclagem que une o passado ao presente e ao futuro. A música de trabalho “Essência de Ser” já rolou inclusive na MTV, com video-clip. 

Após a França, Anna pretende fazer contatos para lançar o trabalho em países da Europa. O responsável pela receptividade francesa ao trabalho da cantora foi o pianista Marcos Resende que, ao viajar para a terra de De Gaulle, levou na bagagem o próprio CD e o de Anna, mostrando a sonoridade ao dono da Iris Music Publishing (IMP), que aprovou e se interessou em lançar a cantora na França. “Pelo Brasil ainda não apareceu uma proposta legal”, lamenta Anna, explicando que o disco foi bem trabalhado no Maranhão, mas não pode ser bem distribuído no País – limites da produção independente. “Tive propostas, mas não sei a fórmula para conseguir alguma gravadora”, por isso continua independente no Brasil. Foi em 97 que Anna participou do Canta Nordeste tendo sido escolhida a melhor intérprete na eliminatória do Maranhão, ao cantar “Degrau por Degrau”, música em parceria com Flávio Paiva. 

Anna volta ao Ceará trazendo o som plural do “Terra do Nunca”, de Flávio Paiva. Para ele, o disco tem trazido agraváveis surpresas por sua sintonia plástica, sonora e temática. E cita a sincronicidade com o CD “O Dia em que faremos contato”, de Lenine, lançado recentemente. “Fiquei super feliz quando vi o disco dele com pequenos texto alusivos a cada música. Sem ser aquela coisa de explicar nada, apenas com o intuito de facilitar reflexões. Na música “Candeeiro Encantado”, Lenine pôs até uma lamparina sertaneja, símbolo que fundi artesanalmente com a lâmpada elétrica e utilizei como arquétipo do Terra do Nunca”. Este tipo de identificação produz a agradável sensação de tangenciamento dos novos paradigmas que estão no ar”, conclui. 

No novo disco de Jorge Benjor – “Músicas para tocar em elevador” – um tema abordado por Flávio também está presente. Em parceria com o bluesman paulista Edvaldo Santana, Flávio Paiva fez “Elevador”, que considera uma espécie de bolero moderno, no qual este espaço urbano de rápidos encontros cotidianos é valorizado e mostrado como opção de convivência sadia entre as pessoas. Assuntos ligados aos 500 anos do Brasil, nossa civilização mestiça e outras questões urgentes tais como migração e proximidade com o ano dois mil, integram-se no disco e nos shows, com a musicalidade pop conduzida pela interpretação de Anna Torres.