DIÁRIO DO NORDESTE. 26/03/96

Coletânea reúne em CD e K-7 o melhor do V Canta Nordeste

O maior festival de música regional do Brasil chega à maturidade em sua quita edição. E o resultado desse investimento da Globo e suas afiliadas do Nordeste, na valorização da produção musical dos noves Estados nordestinos, aparece agora também em CD e K-7, lançados pela gravadora “Som Livre”, com distribuição nacional. A coletânea conta com as 12 finalistas, dispostas em ordem de classificação final, e mostra toda a versatilidade de estilos e ritmos desenvolvidos por autores e intérpretes da Região. O Ceará está representado pelas músicas “Latitude” (Flávio Paiva e Tato Ficher) e “Filhos de Ninguém” (Allison Silva).

Além do interesse natural do público que se deslocou para acompanhar as eliminatórias locais, em cada capital, das 12 mil pessoas que estiveram presentes na semi-final de São Luís, no Maranhão, e das mais de 20 mil que torceram na final realizada no mês de novembro passado em Natal, Rio Grande do Norte, a estratégia da produção para fazer valer este belo disco foi apostar na mídia. Foram realizadas ao vivo as transmissões locais, duas regionais e uma reprise de final de ano. A partir de acordo firmado com todas as suas afiliadas, a Globo está veiculando uma campanha de promoção do disco em horário nobre.

Tem sido surpreendente também a cobertura da imprensa em muitos Estados, valorizando os autores premiados de cada lugar. El algumas capitais nordestinas as rádios começaram a tocar as músicas dos artistas locais bem antes da chegada do disco. Para o cantor Ricardo Black, ganhador do troféu de melhor intérprete do V Canta Nordeste, a possibilidade de entra no circuito comercial, via Som Livre, é concreta e esperada. “Nunca este festival teve uma divulgação tão contundente. Talvez esse “boom” esteja acontecendo por conta do nível das músicas apresentadas em 95 e pelo próprio amadurecimento do evento”, calcula a cantor.

Na opinião do cantor e compositor Allison Silva, autor de “Filhos de Ninguém”, a participação no Canta Nordeste superou suas expectativas, embora lamente que os artistas vencedores não estejam sendo badalados como merecem. De uma forma ou de outra, Ricardo Black assegura por sua vez que, no seu caso, está havendo uma consolidação de imagem surpreendente. “Passei a dar autógrafos nas ruas e a receber sistematicamente músicas de compositores que me oferecem seus trabalhos para gravar. A receptividade da minha participação tem sido maravilhosa”, revela o intérprete de “Latitude”.

O jornalista e compositor Flávio Paiva, autor, em parceria com o tecladista Tato Ficher, da música cantada por Black, vê a participação destacada do Ceará no festival como mais um efeito da borbulha cultural que acontece no Estado. “Vivemos um processo de muita efervescência em todas as áreas da cultura. Na música, então, em se fala. Temos uma produção em fase de depuração que vai dar no que falar. Além disso, começamos a contar com a intensificação de um relacionamento sadio entre gerações e isso é fundamental para consolidar qualquer atividade”, advoga.

Flávio Paiva defende uma integração que extrapole limites conceituais e geográficos. Para ele, o segredo da arte está na liberdade que o artista tem para se relacionar com quem quiser, para criar o que seu desejo mandar. “Tenho feito parcerias com compositores locais, de outros Estados e de outros países e noto claramente o quanto esse somatório de vidas e sentimentos é rico. A própria “Latitude” é uma experiência assim. Quer dizer, acabou a era da aventura solitária e do bairrismo insociável. Conquistamos, enfim, o tempo do diálogo. Acho super-bonita, proveitosa a atitude de Fausto Nilo de trazer toda a sua vivência artística para, numa troca e fusão de linguagem, preparar um esperado CD com músicos de Fortaleza. Ao mesmo tempo, em São Paulo, a compositora e cantora pioneira do pop cearense de qualidade, Mona Gadelha, assina com a gravadora Movierplay para lançamento de um belo CD gravado por lá mesmo, mas falando, dentre outras coisas, da Praia do Futuro e regravando Ednardo. São exemplos de exercícios de complementaridade também presentes no disco do Canta Nordeste, no qual encontramos lado a lado revelações como nosso Ricardo Black e a autêntica cantora popular baiana Vânia Bárbara”, argumenta o autor do CD “Rolimã”, lembrando que Vânia Bárbara, já depois do festival, foi convidada pela Globo do Recife para uma apresentação, juntamente com Nádia Maia (que canta a campeã “Meninos do Sertão”), Alceu Valença e Geraldo Azevedo, dentre outros artistas do primeiro time da música popular nordestina.

Esse encontro de talentos dos nove Estados nordestinos provocando pelo festival da Globo na região é ponto positivo também no pensamento de Allison Silva. “Uma das coisas que muito chamou a minha atenção ao participar do Canta Nordeste foi o contato direto com autores e intérpretes dos mais variados estilos. Gostei também da integração entre os artistas. Apesar de estarmos todos em um concurso, não percebi hostilidades. O clima de paz foi tão bom que impossibilitou a gente de se sentir injustiçado com os resultados”, conta o autor de “Filhos de Ninguém”. Em seu raciocínio, Allison diz que quem venceu foi um estilo musical e isso demonstra uma orientação da produção que foi seguida com coerência pela comissão julgadora. “É só observar que os primeiros lugares ficaram com as músicas mais regionais, que revelam faces da nossa miséria. No meu caso, por exemplo, só acertei no tema, comenta meio de brincadeira.

Mas enquanto o disco do festival não chega, os participantes cearenses da festa platinada não ficaram parados . Allison Silva acertou com a editora ABBA Press a edição do seu livro infantil “A Festa na Floresta”, que será acompanhado por uma fita k-7 com 15 músicas; Flávio Paiva lançou, pela Qualitymark, o livro-reportagem “Retirantes na Apartação” e Ricardo Black intensificou a sua atuação em shows, tendo participado também, cantando duas músicas, das gravações do CD da dupla Luciano Cléver e Chico Pio, em fase de mixagem. Black está ainda com uma proposta de disco para avaliação da comissão de projetos a serem beneficiados pela Lei Jereissati e tem tudo para ser a mais nova revelação da música no Ceará. “Havia uma certa expectativa quanto ao trabalho da Kátia Freitas, no sentido de execução em rádio sem pires na mão. Vimos que é possível e isso me estimulou a investir mais na minha carreira como cantor. Acredito que “Latitude” será bem executada no rádio e, daí , terei as portas abertas para o meu próprio disco, conclui o melhor intérprete do Nordeste.