Bordado e história pelas mãos de Nice Firmeza
Diário do Nordeste, 15/04/2013

A artista plástica partiu aos 91 anos deixando momentos para serem contados a muitas vidas na eterna “Casa Museu”

A “Casa Museu” dos Firmeza, no bucólico bairro do Mondubim, ponto de reunião de artista e intelectuais da Cidade viveu uma tarde de domingo diferente. O silêncio deu lugar às conversas sobre arte e às brincadeiras de crianças, duas paixões da anfitriã, a artista plástica cearense Nice Firmeza, 91 anos, foi sepultada ontem no Cemitério São João Batista. Nice morreu, sábado, de falência múltipla dos órgãos após contrair pneumonia.

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Nice Firmeza era esposa de Nilo Firmeza, o Estrigas, e faria 92 anos em julho
FOTO: LUCAS DE MENEZES

Assim, os seus três filhos – como ela costumava chamar o pesquisador e professor Gilmar de Carvalho, o escritor e jornalista Flávio Paiva e o jornalista Augusto César Costa – sentiram a ausência da mãe, que os recebia com um “cheiro” e sorriso largo.

Para os que conviveram com a artista, uma das primeiras mulheres a ingressar na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), criada em 1941, pelos artistas Antônio Bandeira, Raimundo Cela e Aldemir Martins, na década de 1950, ela mantinha sempre a sua casa aberta. Maria de Castro Firmeza ensinou arte para crianças no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. Era casada com o artista e crítico de arte cearense Nilo Firmeza, o Estrigas, com quem dividia a vida e o amor pela arte.

Linguagem

O minimuseu Firmeza é um espaço acolhedor, cenário marcado pelo perfume das flores e frutas cuidadas por ela, que soube elevar o bordado à categoria de uma linguagem artística.

Em 2007, foi diplomada Mestra da Cultura pela Secretaria de Cultura do Ceará (Secult). Prova de doação da artista é a transformação da casa em museu, misturando vida pública e privada. Sempre tinha algo a oferecer. Seja material, as frutas cultivadas no pomar; seja um afeto de uma espécie de mãe de todos.

Nice Firmeza é personagem do livro “Mãos que fazem história – a vida e a obra das artesãs cearenses” das jornalistas do Diário do Nordeste Cristina Pioner e Germana Cabral, lançado em 2012. A publicação nasceu da série de reportagens homônima veiculada em 2010 pelo jornal.

O pesquisador e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gilmar de Carvalho, é um daqueles três filhos de Nice Firmeza, que disse ter conhecido em 1969. O pesquisador tinha uma relação afetiva com a então menina, nascida em Aracati, em 1921, que faria 92 anos em julho. O amor pela arte faz com que a jovem realize um curso de desenho livre, ingressando juntamente com Estrigas na Scap.

Graças ao conhecimento teórico, ela conseguiu elevar o bordado à categoria de arte, não se limitando a copiar, partindo para a criação, daí o seu mérito. Mas é importante lembrar que Nice pintou, destacando-se na arte Naif, estilo de arte marcada pela simplicidade.

O jornalista e escritor Flávio Paiva conta que conheceu Nice e Estrigas há 35 anos. Nos anos 1970, a artista ilustrou um dos seus livros e, desde então, passou a frequentar o “anticlube lírico”, como ele chama o espaço. “É um ponto de encontro com toda a beleza do jardim que ela cuidou a vida inteira”.

“Dona Nice se vai, mas deixa em quem a conheceu uma saudade sem dor. Dona Nice viveu muito. Viveu e amou, como poucas pessoas têm o privilégio de viver e amar. Ao lado do seu Estrigas, misturou vida e arte e nos deixou o legado de uma linda história de amor. Seu colorido, em linhas e tintas, sempre me encantou muito”, afirma Magela Lima, titular da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Seculfor).

Para o poeta Diogo Fontenele, que possui uma obra da artista, na qual ela retrata a infância, “era uma pessoa muito carinhosa, maternal, que colocava a gente no colo”.

IRACEMA SALES
REPÓRTER

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