Vigeland em dias de Oslo
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 09 de Agosto de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A maior e mais concorrida atração turística, cultural e de lazer da capital da Noruega é um parque que reúne arte e natureza; o parque Vigeland (Vigelandsparken). Aliás, os noruegueses fizeram sabiamente uma esquemática distribuição de equipamentos culturais em Oslo, para desafogar a concentração na zona de fundação dessa cidade com mil anos de história, que impressiona por sua contemporaneidade. Como eles mantém exuberantes e verdes parques por todos os lados, colocaram atrações especiais de visitação em cada ponto cardeal da sua metrópole de apenas 600 mil habitantes, destacada pela inovação no design, na tecnologia, na arquitetura e por sua economia pós-industrial, ancorada no setor de serviços.

Para se ter uma ideia dessa rosa dos ventos de destinações, a leste, no Jardim Botânico (Botanisk have) visitei com a minha família o museu Munch (Munchmuseet), onde fica o tríptico do famoso quadro expressionista “O Grito”, de Edvard Munch (1863 – 1944); a oeste, estivemos na Casa dos Barcos Vikings (Vikingskipshuset), na península Bygdøy, onde estão expostas três embarcações dos séculos IX e X, que haviam sido enterradas com seus donos para a viagem ao reino da morte; ao sul, apreciamos em passeio de barco as verdes colinas das ilhas que ornamentam o fiorde de Oslo (Oslofjorden), formado pela invasão do mar nos sulcos profundos resultantes das erosões na Era do Gelo; e ao norte, nos deleitamos com as maravilhas do parque Frogner (Frognerparken), onde fica o parque Vigeland, ao qual dedicarei parte significativa desta coluna.

Antes, porém, é importante dizer que para a zona portuária e de transporte de cargas, onde nasceu a cidade, não ficar com cara de velha, os noruegueses vem reconfigurando toda essa área (Bjørvika) tão bem servida de ciclofaixas, pontos de ônibus e pela estação central. Nela, curtimos o belíssimo prédio da Ópera e Balé da Noruega (Den Norske Opera og Ballet), inaugurado em 2008, todo em mármore branco de Carrara, parecendo uma montanha de gelo emanada do mar. Subimos pelas rampas que contornam o edifício para ver o pôr do sol a partir do terraço superior, com sua ampla parede metálica. Todo o piso da rampa e da cobertura é feito com desníveis de um requintado trabalho de peças particularizadas em cortes e acabamentos.

Há muito o que contar das impressões sobre as pessoas e o cotidiano da dinâmica e bonita Oslo, localizada na ponta de uma baía de fiorde, com profundidade de aproximadamente 200 metros, com mais de 40 ilhas no seu entorno. Com o “OSLOpass”, cartão que dá acesso ao sistema de transporte público, incluindo alguns barcos, e a vários museus, pudemos circular ao léu pela cidade e sentir a agradável sensação de estar em um lugar reconhecido por sua atualidade, qualidade de vida e equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente. No hotel (Clarion Christiania), o café da manhã, com diversidade de pães frescos, cereais, iogurte, queijos, embutidos, peixes, almôndegas, batatas, leite, ovos e até arroz e feijão vermelho traduz bem o clima de fartura saudável do lugar.

Bom, mas indo direto ao deslumbrante ambiente de esculturas ao ar livre de Gustav Vigeland (1869 – 1943), convém dizer inicialmente que se trata de uma área de 32 hectares, com 214 obras em bronze, ferro e granito, formadas por 758 figuras. É difícil descrever tanto impacto de criatividade plástica integrada à natureza. Não é à toa que Vigeland é reconhecido pelo impulso que deu para que o parque Frogner se tornasse a atração mais visitada do seu país. É dele também o projeto arquitetônico e de jardinagem do parque. Para viabilizar tudo isso, a municipalidade de Oslo fez uma troca com o artista, ficando com as obras e construindo para ele uma bela casa-ateliê, a duas quadras do parque, onde atualmente funciona o Museu Vigeland (Vigelandmuseet).

O parque é aberto todos os dias e a entrada é gratuita. Estivemos lá em um domingo (29/07) e parece que todos os habitantes da cidade e todos os seus visitantes também estavam lá, o que me deu a sensação de que ter muita gente é a maneira daquele espaço se tornar mais aconchegante. Afinal, trata-se de um encontro de coleções de obras em figuras nuas e seus detalhes anatômicos, com a nudez recreativa e espiritual das pessoas que por ele transitam. Como se fossem parte da dinâmica das esculturas, indivíduos e grupos fazem piquenique, praticam esporte, sentem-se integrados à natureza, relaxam e se purificam esteticamente no templo da arte Vigeland, onde a transcendência da vida humana está representada em seus estágios de nascimento e morte.

Depois de passarmos pelos portões de ferro fundido da entrada chegamos a uma ponte, em cujas laterais de acesso pudemos observar alguns motivos inspirados nas diferentes atitudes da força do inconsciente diante dos desafios do viver, representados por grandes lagartos. Ao longo da ponte fomos atraídos pelas expressões faciais, pela manifestação do temperamento, pelos gestos afetivos e pela disposição dos corpos de figuras em bronze, umas em movimento e outras relaxadas, dentre as quais, pais brincando com filhos, mães amamentando e casais em variados relacionamentos, num espectro de convivência entre a vitalidade e a calma sensual. Tem uma estátua de um menino chorão que está com a mão bem polidinha de tanto os visitantes tentarem consolá-lo.

E quando pensávamos que havíamos gasto o nosso estoque de admiração, chegamos à espetacular “Fonte de água e árvore da vida” (Vannkilde og livets tre). Nela, o esforço de figuras humanas, cada qual com sua capacidade de contribuir, assegura a comunhão entre água, gente, vida e natureza. Nas quatro laterais, estátuas de bronze mostram combinações de pessoas com árvores e nelas crianças brincam de subir e descer. Pelos temas dos relevos laterais da borda da piscina dá para ver cenas da vida em sua dimensão mais sublime, como a imagem de um menino em pé sobre o chifre de uma caveira de animal pré-histórico, numa alusão sacralizadora da organicidade no sentido de processo, transformação e evolução.

O inesperado ainda estava por vir. De longe vimos o Monolito (Monolitten), com uma ligeira noção das suas 121 figuras em escala humana, esculpidas em uma só pedra de 180 toneladas. Esta obra tem 17 metros de um entrelaçamento dramático que começa na base com figuras supostamente inertes e sobre elas uma espiral de corpos de todas as idades que chega ao topo com a conquista de um grupo de crianças. De perto deu para ver o incrível comportamento das personas esculpidas: umas se agarrando nas outras para não caírem, outras procurando ajudar as demais e aquelas que se deixam levar na passividade.

No entorno do Monolito, uma escada circular liga 36 figuras de granito em situações naturais e cotidianas. Os visitantes sobem nas estátuas, tiram fotos, interagem, convivem com elas… e consigo mesmos. Foi o que fizemos e gostamos de fazer. As esculturas de Gustav Vigeland são esculturas que permitem essa intimidade porque foram feitas para isso. Ademais, a genialidade desse artista nórdico não o deixou cair nos limites da falsa pedagogia da exposição apenas das coisas boas. Na trama das figuras vimos, por exemplo, a cena de garotos perturbando um velho caduco. É uma obra acima da moral e do tempo, como pode-se ver ainda no relógio solar e em outras estátuas localizadas fora do eixo central do parque.

Da base do Monolito, por entre as linhas dos corpos em ferro fundido das portas de acesso da escadaria, observei a movimentação das pessoas, dos pássaros, das árvores e das esculturas que fazem o templo Vigeland da cultura e da natureza. O filho de carpinteiro, que quando garoto gostava de fazer esculturas em madeira, conseguiu, com sua fantástica visão da vida e sua grande capacidade produtiva dar de presente à humanidade uma obra em que retrata parte significativa do repertório de sentimentos e relações das pessoas de todas as idades e de todos os tempos.