A luta por justiça social levou o movimento “Ir ao Povo” (1870) a unir escritores, artistas, intelectuais e estudantes que passaram a viver como camponeses. Queriam uma Rússia livre. Aprenderam o artesanato, a música e as ornamentações das construções populares e passaram a aplicar em suas obras. No tempo em que realçavam a criatividade e a religiosidade quase socialista das pessoas do campo, procuravam mostrar que os europeus eram moralmente corruptos e que a Europa não atendia aos ideais de desenvolvimento russo.

Da estilização da arte popular surgiram trabalhos que se tornaram populares, como a Matrioshka, a famosa boneca de encaixe, formada por peças que retratam aspectos da vida camponesa, desenvolvida por Sergei Maliutin (1891) e que ganhou referência internacional como símbolo russo. Outra manifestação que ilustra esse tempo de exaltação da alma do povo, citada por Figes, é o quadro Os Barqueiros do Volga (1873), que retrata a dignidade da gente simples, na pintura de Ilya Repin, feita após o autor morar em uma aldeia ribeirinha de ex-servos.

Liev Tolstói abriu mão das propriedades e do estilo de vida que herdara para se tornar um camponês. No interior do país abriu uma escola e fundou uma editora, experiência que, segundo Orlando Figes, o levou a chegar à conclusão de que “o camponês tinha uma sabedoria moral mais elevada do que o nobre” (p.309). Ivan Bunin acrescentou com A Aldeia (1910) que, destituídos de perspectiva da saída da miséria, muitos camponeses entraram para a lista dos desonestos. Em Os Camponeses (1897) Anton Tchekhov reafirma a desesperança na pobreza.

O camponês russo, um tanto cristão e um tanto pagão, com sua vida simples e oralidade fabuladora, influenciou Dostoievski a se tornar socialista, na interpretação de Orlando Figes. Preso e exilado na Sibéria, viu abalada a sua crença “na bondade e na perfeição inatas do povo” (p.407). Deduziu que o barbarismo daquelas pessoas decorria da ‘imundície’ de séculos de opressão, e decidiu não julgar o povo pelo que fazia, mas pelo que desejava ser.

Por dois séculos o ideal de aprimoramento cultural russo, com a aproximação do Ocidente, determinado por Pedro, o Grande, enfrentou diversos percalços, refletidos nas mudanças de nome da cidade que ele construiu com esse fim: na Primeira Guerra Mundial, São Petersburgo perdeu a referência europeia do seu substantivo e recebeu uma qualificação eslava ao virar Petrogrado (1914); dez anos depois, com a morte de Lenin, presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mudou para Leningrado (1924); e com a dissolução do congresso da URSS (1991) voltou a ser chamada de São Petersburgo.

Os esforços de deslocamento das relações para o leste também não pararam de cessar. Com a construção dos quase dez mil quilômetros da ferrovia Transiberiana (1891), ligando Moscou a Vladivostok, os russos sinalizaram para a Ásia que não deixaram de se sentir asiáticos, enquanto evitavam o isolamento das suas províncias do Extremo Oriente. Em 1900, cinco anos antes de a Rússia entrar em guerra com o Japão, o filósofo Vladimir Soloviov escreveu um ensaio sobre o que seria uma invasão da Europa sob a bandeira asiática do Anticristo, no qual utiliza a expressão “Fim da História” [Continua na terça, 10/07].

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