Entrei naquele misto de restaurante, bar e espaço cultural como se entrasse em uma instalação orgânica montada em arte urbana, política, literatura, música e filosofia; um ambiente simultaneamente ampliado e sintético. Paredes estampadas, fotos, cartazes, samambaias e sofás no chão formando uma conjugação de fluxos a passar por variados regimes de signos.

No Al Janiah (SP) a cozinha e o atendimento são feitos por imigrantes e refugiados palestinos, sírios, cubanos, argelinos e nômades brasileiros. Em todos os aventais, a bandeira palestina. Entre Abu, Mohamad e Rami está Hasan Sarif, brasileiro, filho de refugiados palestinos e idealizador desse lugar, cujo nome é uma homenagem à vila de onde seus pais foram expulsos.

Conseguimos uma mesa para quatro pessoas, em um lugar que dava para ver o show da Silibrina, banda criada por Gabriel Nóbrega, que há um bom tempo eu tinha vontade de conhecer. Do cardápio cheio de delícias da cozinha árabe, pedimos hommus, falafel, kafta, mate batido, arak e limonada de hortelã. Nem sempre o pedido foi bem claro. Quis comer uma carne assada no espeto e o garçom muito simpático trouxe um saboroso pão frito com recheios.

A Silibrina eletriza a casa com seu jazz temperado com frevo, maracatu e baião. Pianista, compositor e arranjador da banda, Gabriel incorpora elementos musicais brasileiros vivenciados em espetáculos do pai Antônio Nóbrega, nos quais tocava pandeiro e bateria. Pernambucano como ele, faz parte do grupo o baixista Ricardinho Paraíso, assim como o guitarrista paraense Gileno Foinquinos e os paulistas Jabes Felipe (bateria), Reynaldo Izeppi (trompete), Wagner Barbosa (sax) e Matheus Prado (percussão).

A participação do violinista paulistano Ricardo Herz enche mais ainda a noite de beleza sonora e improvisos virtuosos, integrando seu swing e poesia ao espírito da banda. Vale lembrar que Silibrina é uma pessoa cheia de inquietações, uma espécie de irmã do invocado. Em algumas cidades nordestinas ela tem seu dia na abertura das festas juninas, com zabumbeiros, fogueteiros e bandas de pífano animando a busca e a fixação do pau da bandeira.

Sentar à mesa, escutar, comer, beber, conversar e usufruir de tudo de bom oferecido naquele encontro com a banda Silibrina no Al Janiah soou para mim como algo distante e próximo de uma vizinhança centrada na tolerância, enquanto quase todo o mundo segue em outra direção. O som da banda atravessava fronteiras, deixando-se afetar pela vitalidade contraída e expandida naquele espaço e sua transubstanciação.

Gosto das artes e dos lugares que tornam os dias mais possíveis pelas inquietações das pessoas que acham insatisfatório escapar das barreiras do cotidiano. Quando estou em ambientes assim não me sinto aliviando a dura realidade, pelo contrário, sinto-me reforçando o sentimento de que as levezas essenciais também estão presentes no dia a dia.

Do lado de fora, uma parede de tijolos sem reboco com painéis de mensagens políticas, árvores frondosas e a presença paradigmática do Rizomamóvel, sucata de “school bus” estadunidense, comum em filmes e seriados de televisão, que funciona como ônibus-livraria. Mais do que a lembrança de um show eletrizante, saí desse encontro levando em mim a experiência de descoberta de um lugar gerador de intensidades.