Neste 2019, quando o Vida & Arte comemora 30 anos, alegro-me de ver o caráter perene deste caderno por onde circula o agito da nossa cultura, comportamento, diversão e arte. Na condição de integrante dessa comunidade de vivências jornalísticas e suas variáveis de comunicação, aproveito a data festiva para refletir sobre a utilidade da crônica na atualidade.

Da narrativa grega voltada para a memória e para a história, e dos relatos romanos de orientação temporal do viver, séculos depois a crônica chegou à hipermodernidade ampliando seu alcance a tendências e contrapontos. Parece contraditório o que vou dizer, mas entendo esse gênero mais como um campo de pensamento livre do que de representação do passado; e mais como uma desorganizadora da instantaneidade do tempo do que pela carga conceitual da cronologia que lhe deu nome.

O que a crônica contemporânea mantém em comum com suas origens é o viés confessional e literário, além da forma flexível e prazerosa do texto. Ao cronista da era digital e da comunicação em redes cabe a tarefa um tanto desafiadora de não se deixar tragar pelos agendamentos midiáticos de massa, nem pelas pressões tribais das redes sociais. Escrever crônicas é abrir janelas e pegar a estrada com palavras vadias, permitindo ao leitor apreciar novas paisagens e pensar no que acredita diante do que vê.

A crônica no mundo atual deve estabelecer vasos comunicantes com matizes de toda a tipologia das mídias, em conexão com as circunstâncias culturais e com a conjuntura política. Em seu jogo breve de ideias, de abstrações e de olhares, pode lançar mão de fatos e comentários das notícias, da compleição ideológica do artigo, da argumentação experimental do ensaio, do senso investigativo da reportagem e do caráter pessoal da coluna.

O aporte da experiência vivida dá à narrativa a força do ponto de vista próprio e da criação de hipóteses em estado de compartilhamento com o leitor, suscitando impressões sobre o que está acontecendo, com vibração emotiva e análise em exercício livre para fabular. A voz do cronista se dá por sussurros, embora em alguns momentos grite caricaturalmente para oferecer subjetivação do cotidiano em natureza discursiva.

A leitura de uma crônica permite ao leitor retomar olhares muitas vezes perdidos no congestionamento de informações das quais corremos atrás, enquanto somos açoitados pela vulgata dos chicotes da pressa e da rapidez. Por isso, a tarefa do cronista é contribuir para a trégua da desaceleração, a fim de renovar percepções, abrir perspectivas e recarregar o interesse por assuntos marginalizados ou explorados por angulações tautológicas.

O que torna a crônica jornalística um gênero necessário é a sua capacidade de produzir pausas, possibilitando o alargamento da percepção sobre o que se passa, enquanto procuramos entender o mundo e a nós mesmos. Assim como na música, na crônica a pausa também faz parte da leitura; é um intervalo de silêncio que, sem ele, não suportaríamos a ansiedade dos sons no turbilhão de acontecimentos roteados a todo instante.

No meu encontro semanal com o leitor do Vida & Arte procuro escrever com a vontade de dar significado ao nosso caminhar. Cada crônica é um chamado ao esforço para abrir espaço a outros pensamentos. Escrevo dando tempo à dúvida e à intimidade da razão inconclusa. Não me apego a uma linha, mas a um novelo que entrego ao leitor com pontas para ele puxar, caso se inquiete.