Houve uma época em que pensei em organizar a minha produção cultural dentro dos padrões estabelecidos, com o intuito de estar sempre preparado para quando as oportunidades chegassem. Com o sonho de editar cartuns e histórias em quadrinhos, em 1985, juntamente com amigos interessados nesse mundo de enredo social gráfico, criei e registrei na Junta Comercial do Ceará a Plural de Cultura. Da vontade de fazer um jornal de praia, só com tirinhas em quadrinhos, ao desejo de editar uma revista de contos quadrinizados, pensamos de tudo, mas não encontramos meios de viabilizar nada.

Em 1987, mudei de sócio, mas não da sina. Nada. Cinco anos depois, tivemos a ideia de editar roteiros turísticos autorais e com foco na cultura das diversas regiões cearenses. Tentamos fazer empréstimos, mas mesmo os bancos de desenvolvimento não ofereciam linha de crédito para a produção de conteúdo. Os que entendiam o nosso propósito procuravam ajudar sugerindo que pegássemos recursos para montar gráfica ou pousada, e, dentro do projeto, poderíamos inserir os guias. Não deu. Indignado com tudo isso, decidi manter a Plural de Cultura apenas como uma espécie de guardiã jurídica dos meus trabalhos, em uma sociedade familiar.

Como a maior parte da minha produção literária está associada a música, passei a inserir nos contratos com as editoras dos livros a cessão de comercialização de composições (normalmente encartadas em CD), sem, no entanto, cobrar adicional por isso e sem abrir mão do direito de propriedade dos fonogramas. A única exceção com relação a percentuais referentes a ilustrações musicais foi o livro “Invocado”, cujo contrato foi compartilhado com meus parceiros de produção e de gravação, que, além de percentuais sobre as vendas da obra, ficaram ainda com o controle de execução pública e com o usufruto exclusivo dos cachês de shows e apresentações.

Com o declínio do CD e a necessidade de as editoras reduzirem custos, ficou impraticável o que eu vinha fazendo. Foi quando resolvi apelar para a disponibilidade dos fonogramas por meio de plataformas digitais. Coloquei todos os meus álbuns no sistema de streaming e, assim, viabilizei a manutenção do combinado literatura e música. Ou seja: as editoras dos livros reduziram os custos de produção (por não precisar mais inserir o CD no livro) e a leitora e o leitor continuaram com acesso às músicas que integram as narrativas. Para que as pessoas sem acesso às plataformas digitais pudessem ouvir essas ilustrações, passei a disponibilizar todas em MP3, com as respectivas partituras, no meu site, onde elas podem ouvir, baixar, imprimir gratuitamente. Essa prática de cultura livre é comum também nas minhas páginas do Facebook e aqui e acolá no Instagram. Tenho também um canal no YouTube, onde vou postando vídeos relacionados ao meu trabalho (uma espécie de lugar de pesquisa, sobretudo para os/as estudantes e educadoras/es que procuram referências ao meu trabalho).

Isso com relação ao trabalho que faço associado à literatura. Para as outras músicas que tenho produzido por força existencial (muitas delas com temas que passam a ser desenvolvidos em minhas crônicas jornalísticas), tomei os mesmos parâmetros, o que tem facilitado a minha organização. Quer dizer: estou focado apenas no catálogo disponibilizado no meu site e nas plataformas, o resto pouco me interessa. A Plural de Cultura é filiada a uma das associações de Direitos Autorais, e envio o Cadastro do ISCR dos fonogramas para ela, simplesmente para estar regular.

A produção musical nascida por força estética do cotidiano é uma herança cultural da vida simultaneamente simples e requintada do sertão que, mesmo com mais tempo de vida urbano, ainda guardo comigo. Transformar atos e pensamentos em música me dá uma imensa satisfação de completude social e espiritual; faz parte do que sou e de como comunico o meu silêncio. Minhas parceiras e meus parceiros musicais ganham cachês, sobre os quais eu não recebo nada, e ganham também gravando as nossas composições em seus próprios trabalhos, situação na qual também não recebo nada. O meu ganho está no impulso que a música dá ao meu trabalho literário e jornalístico. É quase um novo tipo de escambo. Quando a nossa criação é cedida a um terceiro, com ou sem remuneração, a gente analisa e autoriza caso a caso. Este é o conceito que norteia o que faço, e que me levou a espalhar o som dos meus vínculos sensíveis pelo mundo digital.