Houve um tempo em que nas terras do Norte do planeta a fumaça dos vulcões escureceu o céu, e anos seguidos de inverno provocaram um frio tão extremo que a existência ficou insuportável. Os humanos que habitavam aquele lugar (Midgard) temiam que gigantes do gelo e das montanhas pudessem destruir as poucas comunidades sobreviventes e dependiam da proteção dos deuses.

Os mitos são a origem das culturas, e, na mitologia nórdica, para que a sociedade nascesse, aconteceu uma grande batalha na qual a maioria dos deuses morreu; tipo um apocalipse a encerrar os dias do mundo. Desse acontecimento de destruição total só restou um casal humano, que conseguiu se esconder no tronco da Árvore do Mundo (Yggdrasil).

O Ragnarök, evento que deu fim a todas as coisas, recebeu o nome de Destino. A mulher sobrevivente ficou conhecida como Vida. O homem foi chamado de Desejo de Viver. Estabelecia-se um sistema de crenças fundado na família, como garantia de descendência, e na luta, como meio de diversão e de poder, já que para eles a morte com bravura era apenas uma passagem para Valhala, onde podiam se encontrar com Odin para comemorar.

O derramamento de sangue, a vingança e a traição eram parte natural da condução do Destino em favor da Vida e do Desejo de Viver. Uma compreensão bruta de mundo. O princípio de uma cultura que exigia lealdade, força física e intuição. A comunhão dos indivíduos livres acontecia em torno do fogo, com relatos de novidades, de feitos e contações de histórias. Nas assembleias comunitárias o direito à palavra não tinha distinção de riqueza ou função social. Exceto as escravas e os escravos capturados em expedições fora da Escandinávia, agricultores, pescadores, carpinteiros, ferreiros, comerciantes, poetas e guerreiros participavam das deliberações políticas e sociais.

Está disponível na Netflix a série Vikings, uma coprodução irlandesa-canadense que ilustra bem alguns momentos dessa saga, no século IX, embora com deslizes conceituais comuns às produções que forçam temas fora de tempo. Nela, vários personagens marcantes são vivenciados por atrizes e atores de diversos países, todos muito bons: o australiano Travis Fimmel (Ragnar), a canadense Katheryn Winnick (Lagertha), o sueco Gustaf Skarsgård (Floki), o inglês George Blagden (Aethelstan), o canadense Alexander Ludwig (Bjorn) e o dinamarquês Alex Høgh Andersen (Ivar).

O enredo tem sua estrutura montada no ímpeto visionário de Ragnar Lothbrok, um lavrador capaz de olhar além, de querer entender outras culturas e de provar que havia terras a oeste da Escandinávia. Até então os vikings só tinham contato com eslavos e asiáticos. Sob sua liderança, os nórdicos invadiram violentamente territórios europeus em busca de glória e de terras onde pudessem estabelecer colônias. Na sequência, seu filho Bjorn chega ao Mediterrâneo dominado por muçulmanos. É interessante esse encontro de crenças tão distintas.

Em que pese a nossa dificuldade de acesso a informações sobre como os descendentes dos vikings se adaptaram e influenciaram outras culturas, e de como evoluíram para tornar Suécia, Dinamarca e Noruega – países escandinavos – destacadas referências mundiais de sociedades estruturadas na ideia do respeito ao bem comum, é possível deduzir que o fato de o fim do mundo já ter ocorrido por lá fez com que eles não dependessem mais de profecias para honrar os desígnios da Vida e do Desejo de Viver.