Imagine uma reunião muito importante no gabinete número 1 da prefeitura de uma capital brasileira sendo interrompida pelo choro de um bebê na sala ao lado querendo mamar. Imagine a mãe presente na dita reunião solicitando uma pausa nas discussões para amamentar. Imagine, por fim, a cara dos participantes, normalmente homens de política e de negócios, tendo que esperar a mulher voltar dessa prioridade incomum.

Essa cena, que há pouco tempo precisava ser imaginada, é uma realidade na prefeitura de Palmas, capital do Tocantins, estado do Brasil central. Ali a prefeita Cinthia Ribeiro, de 45 anos, e o filho Vittorio, de alguns meses, inauguraram uma realidade em que a mulher não está procurando se apropriar de um modelo masculino, mas introduzindo no espaço político uma agenda essencialmente feminina, de interesse humano.

A consolidação da participação da mulher nas vidas social e política brasileiras vem sendo conquistada no decorrer de muitos anos. Boa parte desses passos evolutivos são dados no anonimato. Em função disso, é motivo de comemoração quando uma atitude exemplar feminina consegue, por algum motivo, romper com essa invisibilidade e colocar na pauta social a diferenciação de gênero voltada para a dialética da complementaridade.

Esse fato é uma valiosa alavanca nos avanços de uma política ainda fortemente definida por parâmetros masculinos. Na Lei Orgânica daquele, como da maioria dos municípios do País, não consta o direito de licença-maternidade para prefeitas. O que parece uma falha não passa de uma triste revelação do quanto a atividade legislativa desconsidera a possibilidade da mulher gestora e, muito menos, caso isso aconteça, que a eleita venha a ter um bebê durante o mandato.

Ao decidir levar o filho para o local do trabalho, montando na sala contígua ao seu gabinete um quarto de criança, com estampas de bichinhos nas paredes, cômoda infantil e suporte para troca de fraldas, Cinthia Ribeiro praticou um ato educacional de grande valor para a transformação qualitativa no despertar da consciência do aperfeiçoamento da participação feminina. Fez isso mostrando com altivez a potência de mulher e de mãe no exercício do poder público.

Cinthia Ribeiro, prefeita de Palmas (TO), amamentando o filho Vittório no quarto de bebê montado ao lado do seu gabinete. Foto: Jesana de Jesus/G1

Com essa postura, que em si vale por muitos discursos, ela fomenta a impulsão do olhar da sociedade para aspectos objetivos definidores da agenda social, tendo como referência simbólica a sua profundidade nos campos dos direitos sociais, onde se dá a distribuição de poder. A atitude da prefeita de assumir a maternidade no cargo une a dimensão da política de cidadania com a condição de única chefe do executivo de capital brasileira, o que contribui para o processo de redução do modelo patriarcal dominante.

Há um fator comportamental por trás dessa inusitada prioridade administrativa do gabinete da prefeita palmense que é o natural sentimento de justiça. Tirando as mentes formatadas nos modos da tradição machista, é provável que a decisão de Cinthia Ribeiro de cuidar do filho, a despeito de exercer um cargo tão demandante, tenha ampla aceitação na sociedade, até porque essa é uma aspiração das mães e um direito de filhas e filhos.

Tudo isso tem valor extraordinário como expansão poderosa do reconhecimento da mulher na política. E fica mais relevante ainda quando associado à consciência de que os problemas brasileiros não serão satisfatoriamente solucionados sem uma efetiva participação das mulheres.