A raridade do metal precioso é um dos fatores que definem o valor de uma joia. No entanto, há joias que se distinguem pelo design e pela história que alicerça a sua criação, como a joalheria de Antônio Rabelo (51), desenvolvida em Quixeramobim, a 215 km de Fortaleza, com matéria-prima da herança natural e cultural nordestina.

Rabelo, filho de fotógrafo lambe-lambe, aprendeu a enxergar que as coisas existentes em abundância podem ser raras. Tudo acena e se oferece para quem sabe dar valor ao que está ao seu alcance. Na fotografia, como na joalheria, a preciosidade está no ângulo de visão, no que brilha, no que é opaco e no que mexe com a imaginação.

O Museu Orgânico Antônio Rabelo, que visitei sábado passado (03/05), é parte da teia de museus vivos e originais estruturada pelo Sesc-Ceará, em parceria com a Fundação Casa Grande, de Nova Olinda. Anéis, brincos, colares, pingentes e pulseiras reúnem ali simbologias da flora, da sinuosidade dos rios e de bordados populares.

Em estado bruto, o reino mineral cearense chega com pedra fartas na caatinga, como água marinha, berílio, citrino, mica, quartzo, e o reino vegetal comparece com espinhos de mandacaru e xique-xique para serem transformados em joias à base de Prata 950, aquela mais maleável e própria para peças artesanais, inadequada para a produção em larga escala.

Inventor de bonitezas, Antônio Rabelo mostra contra a luz pingentes, brincos e anéis para que se vejam os tons dos espinhos de cactos incrustrados, como se fossem estrelas. Explica que os mais escuros são bem antigos e os mais claros mais recentes na natureza. A prata pontuada em luz de espinhos guarda uma elegância singular.

Rabelo exibe uma de suas joias. Imagem: Sesc-Ceará.

Alegra-me encontrar esse Nordeste vibrante e intenso na arte que atravessa com desenvoltura o ciclo dos elementos e do ser humano natureza. As peças de Rabelo soaram para mim como “Ave de Prata”, de Zé Ramalho: “Muito mais do que muito (…) Muito mais do que fera / Mais do que bicho / Quando quer procriar / Uma espécie / Sementes da água / Mistério da luz”.

Antônio Rabelo é acima de tudo um contador de histórias. Estar com ele no museu é presenciar uma amálgama do que ele conta e das peças que faz. As muitas situações que ele viveu, sobreviveu e reviveu para chegar ao destacado designer de joias com pedras e espinhos do sertão estão todas unidas e espalhadas em sua obra, exposta também em seu portal de internet.

Um desenho puxa o outro e todos os adornos do museu revelam um artista de intuição aguçada, impulsivo e em constante e acelerado fluxo criativo, que encontrou o equilibrado realizador no aconchego da dona Lúcia e dos filhos David e Darvin, que estão sempre com ele nos afazeres de casa, da oficina e pelo mundo em aventuras de variados esportes e estripulias.

Em que pese a multiplicidade de ideias e realizações que o atraem a todo instante, Antônio Rabelo demonstra que seu ponto de concentração mais estável é a joalheria; o terreno fértil onde brota a sua criação mais requintada. Neste ofício, ele descobriu o quanto lapidar, polir e dar forma a uma gema, a torna grandiosa e, assim como a vida, sua posição como pedra principal e de acentuação.

Transformar espinhos e pedras do semiárido em joias tem um papel de rompimento paradigmático em uma região historicamente instruída para não perceber seus potenciais de riqueza. Antônio Rabelo é um amante da Caatinga que pelas veredas da arte despertou para a raridade que existe na abundância.

Fonte: Jornal O POVO