Dois projetos, um só Brasil
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Sábado, 14 de Outubro de 2006 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A busca por um Brasil sempre melhor nos move para as urnas. Mesmo quem vota apenas por obrigação legal carrega em si esse desejo. O segundo turno é uma oportunidade de maior clareza dos projetos e dos candidatos que querem governar o Brasil. E temos dois projetos e dois candidatos claramente distintos. Luís Inácio Lula da Silva, 61 anos, e Geraldo Alckmin, 54 anos, representam duas visões políticas antitéticas. Um, enxerga o Brasil em seu conjunto, conseguindo olhar tanto o que está em primeiro plano, o imediato, quanto o que aparece no plano de fundo, o longo prazo. O outro, presta mais atenção no objeto de poder, na manutenção da ordem colonial dominante, a partir de uma perspectiva externa. São, portanto, duas propostas com diferenças estruturais sólidas e visíveis.

O segundo turno é a circunstância adequada para escolhermos o caminho que guiará os nossos destinos por mais alguns anos. Os dois candidatos têm maneiras bem próprias de ver o Brasil e de refletir sobre o mundo atual. Lula compreende a aproximação entre culturas, intensificada pela evolução tecnológica, pelos avanços nas comunicações e reposicionamentos geopolíticos e econômicos mundiais, como oportunidades de expansão das relações internacionais do Brasil, para podermos inserir o país com soberania no mundo contemporâneo. Alckmin percebe a mundialização da teia cultural, como um passo para a reafirmação do modelo de subordinação do Brasil ao controle das grandes corporações multinacionais, que se beneficiam largamente da globalização.

Lula acredita no Brasil sujeito; Alckmin, trata o país como objeto. Lula lembra Nelson Mandela, Alckmin, tem um quê de George W. Bush. Um defende o diálogo na solução de conflitos; o outro, tende utilizar a violência para resolver impasses. O que mais me chama a atenção entre esses dois candidatos é que Lula parece ser alguém em constante busca e, por isso, o vejo como um candidato bem mais democrático. Alckmin reflete uma impressão contrária a essa; apresenta-se bem mais cheio de verdades prontas, o que passa a sensação de autoritário e pouco tolerante diante do que não concorda e, por isso, o observo como um candidato mais propenso ao racismo e ao preconceito.

Com seus erros e acertos, Lula não nega que é um brasileiro da gema. E se comporta como tal. Quando fala de seu país, fala como um contador da vida, como ser inteiro, como um protagonista real da miscigenação, com a gama de sentimentos que tudo isso significa. Alckmin tem um semblante de executivo de multinacional. E se comporta como tal. Fala do Brasil como se estivesse aqui para administrar interesses externos em uma terra distante qualquer. Quando propõe vantagens de crescimento, o faz com o ar de quem oferece benefícios sociais em troca de direito de exploração e não como quem abraça uma gente, um lugar. Lula é orgânico, Alckmin é transgênico.

Talvez a maior herança que nós brasileiros recebemos nos cinco séculos de história do Brasil mestiço para zelar, seja a satisfação de sermos brasileiros, independente do estado ou região onde nascemos ou vivemos. Essa paixão extrapola bairrismos e aparece no jeito de ser do candidato Lula. É um sentimento que abunda em seu coração transbordante de imagens, transcendendo dogmas e mesclando fronteiras geográficas, ideológicas, religiosas e sociais. Alckmin, querendo ou não deixar transparecer sua pecha de candidato paulista, de novo bandeirante e de adepto de uma das facções mais fechadas e atrasadas da igreja, assume a postura de defensor das desigualdades de classe e das discriminações regionais. Com envergadura política que não consegue ir além do tráfico das angústias alheias, mais parece um tratadista frio de questões tão subjetivas e humanas.

No debate promovido pela TV Bandeirantes, de São Paulo, quando houve o primeiro confronto dos candidatos escolhidos para disputar o segundo turno da eleição presidencial, pudemos ver lado a lado um Lula nervoso, embora consciente do seu papel e da sua responsabilidade como homem público; e um Alckmin desrespeitoso, arrogante e muito longe de ser um estadista. A sabedoria irônica de Millôr Fernandes diz que “Quando você está fora de si, o pessoal vê melhor o que você tem por dentro”. Lula é visceral, emotivo, brasileiro e compartilhador; Alckmin é epidérmico, anestésico, desenraizado e centralizador.

A reeleição de Lula significa o apoio manifesto da gente brasileira ao processo de formação de um Estado republicano independente e voltado para o interesse comum da maioria, iniciado no seu primeiro mandato (2002 – 2006). A eleição de Alckmin propicia a retomada, ainda mais à direita, da condição de Estado submisso às forças do mercado transnacional, iniciado nos dois mandatos do presidente FHC (1994 – 2002) e voltado para a preservação do status quo dos setores dominantes nacionais e internacionais. Pensando bem e colocando a questão no tempo histórico que ela merece ser colocada, temos um quadro de relativa estranheza a ser observado neste segundo turno: a situação é a mudança e a oposição a continuidade.

O fenômeno da mundialização pode encolher ou ampliar o mundo. Pode ser benéfico ou maléfico para a maioria dos povos. Tudo depende de como é encarado. Alckmin faz parte da campanha que prega a divisão do Brasil entre ricos e pobres, modernos e arcaicos, incluídos e excluídos, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Na ânsia de manter o padrão atual de concentração de renda e de riqueza, seus defensores já recorreram até ao neologismo “Belíndia”, utilizado pelo economista Edmar Bacha, há exatos 30 anos, como figuração para expressar naquele momento o tanto que o Brasil representava de Bélgica e de Índia no plano econômico. Lula faz parte dos que querem o Brasil unido e fortalecido para que possamos usufruir as riquezas naturais e culturais desse país continental e nos desenvolver com equidade social.

Convém lembrar que a eleição para presidente do Brasil é um pêndulo na geopolítica latino-americana. As conspirações separatistas que dividiram a Venezuela em duas forças hostis e que estão investindo na separação territorial da Bolívia, pregam a secessão brasileira de modo odioso e descarado. O caminho Alckmin é a opção dos que apostam no colapso da nossa democracia. O caminho Lula é a opção dos que estão dispostos a ter a paciência que o processo democrático exige. Ao escolhermos o candidato para votar no segundo turno decidiremos por um desses dois projetos políticos, legitimando categoricamente o governo eleito.