Em boa parte das laterais do canteiro central da avenida Virgílio Távora acaba de ser pintada uma ciclofaixa. Tenho passado por lá em horas de intenso congestionamento de trânsito e estou positivamente impressionado com o comportamento dos condutores de automóveis. É que não vi qualquer carro ameaçando invadir o espaço reservado à circulação de bicicletas.

O motivo dessa empolgada perplexidade é que se passaram apenas cinco anos da data em que a Prefeitura de Fortaleza iniciou a implantação do sistema de rede cicloviária da cidade, com a ciclofaixa da rua Ana Bilhar. Naquele momento, a reação de moradores e motoristas – inclusive com situações de veículos estacionando e trafegando de forma afrontosa sobre a área destinada a ciclistas –, revelou-se um verdadeiro atestado de egoísmo social e incivilidade.

A persistência do poder público em seguir com essa iniciativa de mobilidade, mesmo contrariando pessoas e grupos insensíveis ao bem comum, prova que é possível flexionar os desvios de uma cultura marcada por ostentações e desinteresse pelo outro. O que se expressava como resistência e obstáculo, migrou em tão pouco tempo para um estado de aceitação de atos de respeito e gentileza.

A ciclofaixa em si já informa concretamente que no trânsito a preferência deve ser do mais frágil. Diz que para vivermos em uma cidade melhor, precisamos aprender a ceder. Como um espelho que reflete educação para a cidadania, sua existência joga luz no dualismo entre direito e privilégio, despertando as pessoas para qualidades sociais adormecidas, e traçando uma nova ordem de hábitos que, um dia, poderá conquistar calçadas sombreadas e a valorização do pedestre.

O mito moderno da velocidade esbarra sua intempestividade na dificuldade de deslocamento do transporte urbano. E é nesse entrave corriqueiro que se faz urgente a conjugação do verbo pedalar em todos os seus tempos, modos, pessoas e números, abrindo, assim, perspectivas de desaceleração como paradigma de vida saudável e de conforto individual e coletivo.

Há dez anos escrevi no artigo A sociedade pós-automóvel (DN, 20/11/2008), que seria inevitável chegamos ao tempo das calçadas decentes, dos logradouros públicos arejados, das redes cicloviárias e das faixas de priorização para a fluidez de ônibus, táxis e carros com mais de duas pessoas em Fortaleza. Havia em mim uma frustração inquietante quando eu sonhava com isso.

Acumulava-se por toda a cidade uma demanda por ciclovias. Percebendo o incômodo das pessoas com essa dialética da vontade e da negação, anos depois voltei a escrever sobre o assunto. No artigo Fortaleza e o cicloativismo (DN, 30/06/2011) ressaltei a necessidade de pensarmos em ecovias, corredores verdes, ruas e avenidas com fiação subterrânea e iluminação pública econômica, algumas delas fechadas aos domingos e feriados para recreação e lazer.

Puxo por essas lembranças como forma de balizar à expressão do meu contentamento de ver o executivo municipal avançando no processo de reumanização do trânsito de Fortaleza, e de poder constatar uma melhoria na educação de motoristas, antes praticamente dominados pela arrogância e pela busca de distinção social motorizada. Valho-me do fato presenciado para buscar a positividade dessa simbologia como vitórias em movimento: eu pedalo, tu pedalas, ele e ela pedalam, nós pedalamos!